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DÁDIVA
Dar algo para nada receber – esta será a lógica que norteia a dádiva. Neste aspecto, está em total contradição com a lógica capitalista vigente, que dá para receber (uma troca) ou, na maioria dos casos, dá para receber mais. Este último caso tem um nome preciso – lucro. Assim, podemos dizer que o contrário da dádiva é o lucro e vice-versa. Ou seja, poder-se-ia dizer que a dádiva parece ser uma espécie de desinvestimento, mas apenas em termos estritamente económicos – no contexto de um capitalismo selvagem, expressão que pode ser entendida como sendo um pleonasmo. A dádiva desinveste, o dador parece desinvestir, mas o que realmente acontece é algo similar ao que se passa na Natureza – um permanente desejo de equilíbrio. Da mesma forma, a dádiva configura a procura de um equilíbrio – quem tem dá a quem não tem, quem tem mais dá a quem tem menos. É esta a economia da dádiva; se quem tem mais der a quem tem menos, os primeiros ficam com um pouco menos e os outros com um pouco mais, isto é, o fiel da balança verticaliza-se, a sociedade equilibra-se um pouco mais, as diferenças desvanecem-se um pouco mais, a sociedade humaniza-se um pouco mais. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
DINHEIRO
A palavra 'dinheiro' provém do Latim. Denarius era a moeda de prata mais comum em Roma e por isso mesmo acabou denominar todo o tipo de moeda (e de dinheiro); o denário valia dez asses, os quais seriam umas pequenas moedas de cobre (denário quer dizer que ‘contém dez’). Em francês, por exemplo, diz-se argent - ou seja, literalmente, ‘prata’. O dinheiro é uma entidade simbólica aceite pela esmagadora maioria da população humana. O dinheiro, isto é, as notas e moedas, funciona como um suposto substituto do valor das coisas. Esta ligação abstrata – do papel das notas e dos metais das moedas – a todas as coisas é surpreendentemente ténue embora perene, pois não se vislumbra uma revolução tal que provoque a desvinculação dos termos. Reconhece-se facilmente o carácter pernicioso e um pouco absurdo do dinheiro se se pensar que estes pedaços de papel ou metal constituem um dos principais fitos da maioria das acções humanas. Todo o trabalho e esforço despendidos por toda a humanidade tem como troca aquele papel simbólico, que depende apenas de um acordo tácito, tão esquecido como presente e real, que determina que certas coisas valem certas quantidades de notas (papel) e moedas (metal). A forma física do dinheiro tem um carácter explicitamente cínico; senão vejamos: as moedas, sempre com um valor minguado, escasso, são praticamente indestrutíveis, para além de, quando as deixamos cair, fazerem barulho, um alerta, tilintam. Já as notas, que podem chegar ao valor de um vencimento mensal – como é possível, justificável, defensável ter todo um mês de vida encafuado num pedaço de papel simbólico? –, são totalmente destrutíveis – rasgam-se, queimam-se, amarrotam-se, etc; e uma nota não cai, voa, voa sempre para longe de quem a possui. O papel do papel do dinheiro é isso mesmo, um papel – role – uma representação. As notas são, como se percebe, o mais poderoso símbolo do dinheiro (ele próprio já simbólico) – são voláteis, podem desaparecer sem deixar rasto, passam de mão em mão, de vento em popa, para assim potenciar a economia, manter o jogo jogável. O cinismo do dinheiro resume-se a isto: notas valiosas e silenciosas, leves e destrutíveis; moedas vulgares, ruidosas, pesadas e indestrutíveis. No dinheiro parece estar tudo ao contrário – o que dura mais deveria ser o mais valioso, o que dura menos, o menos. As notas são sub-reptícias, enquanto as moedas são claras; a sub-repticidade das notas serve para lhes camuflar a existência e valor; como se não existissem, como se não tivessem valor nenhum. A leveza das notas serve finalmente para facilitar a acumulação; pelo contrário, como acumular quilos e quilos de moedas até conseguir perfazer uma fortuna? A leveza das notas facilita-o. A nota não tem espessura; o que a caracteriza e diferencia é a absoluta densidade de valor convencionado – muito mais do que a absoluta densidade do ouro e a absoluta densidade do diamante. Nuns brevíssimos gramas de papel simbólico podem esconder-se quinhentos euros, mil dólares, um dia de vida farta, um mês de vida apertada. O valor real (material) de uma moeda aproxima-se muito mais do seu valor simbólico (valor de face, convencionado) do que o valor real de uma nota. Quanto custa uma moeda de um cêntimo? Quanto custa uma nota de vinte euros? O dinheiro é um meio, é certo, mas por vezes acaba por ser igualmente um fim em si mesmo – por isso se amealham quantias astronómicas, quantias essas que nunca serão gastas pelos seus donos; e é nesta situação que finalmente o dinheiro readquire o seu verdadeiro e congénito carácter simbólico. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
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