COOPERATIVISMO ─ O Futuro que Vem de Longe
Rui Namorado Professor Jubilado da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1. INTRODUÇÃO
Há uma ambição emancipatória inscrita no sonho dos explorados e oprimidos, gravada na esperança que atenua o desespero dos excluídos, das vítimas das desigualdades sociais, que ajuda a fazer correr o rio da História. À medida que a lógica capitalista se foi tornando dominante, até impregnar por completo o tecido económico-social das sociedades atuais, foram também ganhando vida múltiplas expressões organizadas de lógicas diferentes. Algumas destas prosseguiam dinâmicas sociais oriundas de épocas anteriores ao capitalismo, outras absorviam-nas modificando-as, outras irrompiam como novidades. Por vezes, as três tonalidades conjugavam-se em novidades com ressonâncias do passado ou em entidades tradicionais com perfume de inovação. Expressão relevante dessas dinâmicas sociais, guiadas por lógicas que exprimiam resistência ao predomínio capitalista, o movimento operário foi-se afirmando através de uma multiplicidade de associações através das quais tecia um protagonismo coletivo crescentemente organizado. Nesse diversificado universo associativo, três grandes conjuntos foram ganhando consistência própria: os partidos políticos, os sindicatos e as cooperativas. Fora deles, as outras partes da nebulosa associativa foram naturalmente seguindo o seu caminho sem largarem a âncora inicial. À medida que o século XIX foi correndo, em diversos países europeus o fenómeno cooperativo foi-se afirmando também fora do movimento operário, em especial em espaços rurais. Mas embora nunca a ele confinado por completo, o movimento cooperativo não perdeu, como marca genética estruturante, a sua raiz inicial, a sua identidade originária, associativa e operária. É uma marca que incorpora uma consciência clara de subalternidade perante a lógica capitalista, ainda que assumida conjugadamente com a resistência a esse domínio, não se deixando por isso fechar num conformismo sem horizontes. Uma resistência que se robustece através de uma ambição, mais ou menos clara, mais ou menos intensa, de ser caminho para uma outra forma de viver, para um outro tipo de sociedade. Uma resistência em cuja identidade assim se inscreve a ambição de um horizonte global alternativo, logicamente pós-capitalista. Esta atmosfera identitária que o movimento cooperativo respira não está presente, naturalmente, com a mesma nitidez, com a mesma intensidade e com a mesma persistência, em todas as suas parcelas, em todas as suas entidades, em todas as circunstâncias socioecónomicas, em todas as conjunturas, ou nas consciências de todos os cooperadores. Mas impregna estruturalmente os seus princípios organizativos, o seu modo de estruturação, o seu tipo de funcionamento, o relacionamento que dentro dele dá vida ao espaço cooperativo e o modo como se relaciona, quer com o seu exterior mais solidário, quer com o seu exterior potencialmente mais hostil. É importante, neste contexto, tentar compreender que razões levaram a que grupos sociais exteriores ao movimento operário recorressem à sua forma própria de intervenção empresarial, para certos tipos de prossecução de alguns dos seus interesses. Foi esse o caso, por exemplo, de cooperativas que agem nos espaços rurais, de cooperativas de trabalhadores independentes, de cooperativas de pequenos empresários. Sem prejuízo da utilidade de abordagens mais específicas, mais profundas e mais complexas, numa análise sumária pode constatar-se que o recurso à forma cooperativa tendeu sempre a ser, do ponto de vista das suas conexões externas, uma coligação contra protagonistas mais fortes para melhor lhes resistir; e do ponto de vista da sua fisiologia interna uma opção que dava lugar à cooperação como via que, em si própria, excluía a mútua predação de uma concorrência impiedosa. Cada um teria o seu tipo de razões próprias para necessitar de juntar esforços para melhor poder singrar, mas foram esses os principais tipos de razões que estiveram na raiz da opção por uma forma cooperativa de conjugação de esforços. É claro que para além deste mimetismo, gerado pela vontade de competir com entidades mais poderosas, potenciando sinergias e secundarizando concorrências, ganhando assim visibilidade e força, as iniciativas cooperativas oriundas de fora do movimento operário, eram também uma ressonância do enraizamento da cooperação na história da humanidade. Elas aproveitaram o amadurecimento organizativo de práticas cooperativas que vinham de longe, alcançado pelo movimento operário, utilizando-o para os seus próprios objetivos. Objetivos próprios, é certo, mas vizinhos dos visados pelo movimento operário. Um aproveitamento que se revelou fecundo precisamente pela sua fidelidade à matriz inicial. |