RELEVÂNCIA DAS COMUNIDADES HUMANAS NO SETOR DA ECONOMIA SOCIAL EM PORTUGAL E NAS RESPOSTAS AO COVID 19
Américo M. S. Carvalho Mendes Coordenador da ATES – Área Transversal de Economia Social da Universidade Católica Portuguesa (Porto) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . A grande maioria das Organizações de Economia Social está muito ligada a grupos humanos de tipo comunitário e, mais precisamente, a comunidades humanas de base territorial.
Vejam-se os dados da edição mais recente da Conta Satélite da Economia Social que são relativos a 2016[1] no que se refere à distribuição das 71885 organizações do setor da Economia Social em Portugal de acordo com as atividades da Classificação Internacional de Organizações Sem Fins Lucrativos e do Terceiro Setor. O grupo mais numeroso é o das organizações ligadas à Cultura, Comunicação e Atividades de Recreio. Nesse ano eram 33722. A grande maioria destas organizações são as chamadas Coletividades de Cultura, Recreio e Desporto. Seguem-se as organizações religiosas. Nesse ano eram 8533. Muitas destas organizações são as Fábricas da Igreja e as Confrarias da Igreja Católica, portanto, organizações de base paroquial. Juntam-se a estas as associações religiosas também católicas, ou, cada vez mais, organizações ligadas a comunidades locais doutras confissões religiosas. Em terceiro lugar surgem as organizações prestadoras de serviços sociais. Em 2016, eram 6978. A grande maioria destas organizações são as que estão registadas como IPSS que são mais de 5000. Nas restantes atividades, a distribuição do número de organizações era a seguinte, em 2016:
Se se analisar o conjunto das organizações que estão classificadas nestas nove categorias, verifica-se que há mais de 5000 que estão em atividades relacionadas com a proteção e valorização de recursos locais, ou que respondem a necessidades de comunidades locais. É o caso das organizações de desenvolvimento local e regional, associações e comissões de moradores, ligas de melhoramentos, organizações de defesa de sítios com valor ambiental, comunidades locais de baldios, organizações de produtores florestais, juntas de agricultores responsáveis pela gestão de regadios coletivos, organizações de defesa de património cultural de base territorial, associações de bombeiros voluntários, etc. Assim sendo, somando os números de organizações das três primeiras categorias com as do grupo atrás referido, temos um total de mais de 54000 organizações, ou seja, mais de 75% do número total de organizações de economia social existentes no país. Portanto, mais de 3 em cada 4 organizações de economia social em Portugal surgiram e servem comunidades humanas de base territorial, na maior parte dos casos de âmbito infra concelhio, respondendo a necessidades dessas comunidades ao nível de atividades de recreio, cultura e lazer, práticas religiosas, serviços sociais de proximidade, serviços de proteção civil e proteção e valorização de recursos naturais e culturais locais. Antes de prosseguir com as implicações desta caraterística estrutural do setor da Economia Social em Portugal, vai definir-se o que aqui se entende por comunidades humanas. Trata-se de grupos de seres humanos com as seguintes caraterísticas:
Quando as experiências de vida em comum, os recursos e as necessidades em que as comunidades humanas assentam têm uma relação com um determinado território, então é de comunidades de base territorial que se trata. Como já se viu, é o caso de grande parte das organizações do sector da economia social em Portugal. Há, no entanto, outras formas de comunidades humanas que não têm predominantemente uma base territorial. As novas tecnologias da informação e da comunicação têm facilitado muito o desenvolvimento dessas outras formas de comunidade. Podem ser, por exemplo, as seguintes:
Dito isto, vamos a algumas implicações que decorrem, ou deveriam decorrer da base comunitária em que assentam muitas organizações de economia social em Portugal. Uma implicação é a de que a questão da sustentabilidade destas organizações deve ser relacionada com a da comunidade a que estão ligadas. Quanto melhor (pior) for esta ligação, mais (menos) sustentável tenderá a ser a organização em questão. Esta ligação à comunidade também contribui para o facto dessa faceta da sustentabilidade de uma organização que é a sua durabilidade estar ligada à durabilidade da comunidade onde está inserida. Uma comunidade com vitalidade e que perdura contribuirá para ter no seu seio organizações de economia social que também perduram juntamente com ela. Se a comunidade envolvente estiver em perda de vitalidade, então isso contribuirá também para a perda de vitalidade das organizações de economia social nela inseridas. Note-se, também, que o tempo de vida das comunidades humanas tende a ser mais longo do que o das várias gerações de uma família, ou do que o período de tempo em que uma atividade económica é rentável. Assim sendo, isto pode ajudar a perceber por que é que há um bom número de organizações de economia social que duram mais do que empresas familiares, ou mais do que empresas cujos donos buscam essencialmente o lucro, mesmo que estas possam ser grandes empresas e as organizações de economia social possam ser pequeninas e com aparência frágil. Outra implicação da base comunitária e territorial de muitas das organizações de economia social em Portugal é elas estarem na primeira linha quando se trata de acudir, ou prevenir, com respostas de proximidade, acontecimentos negativos com impacto coletivo, como está a ser o caso, agora, com o COVID 19. Nas respostas a esta pandemia, tem sido bem patente o papel muito importante de várias formas de comunidades humanas e das organizações de economia social nela inseridas:
Quanto mais e melhores comunidades houver destas e doutras formas, mais fácil será combater esta pandemia, bem como outros problemas sociais. Por isso, é muito importante tudo o que for feito para criar e robustecer comunidades humanas, sejam as de base territorial, ou outras. Se estas comunidades já estão a ser muito importantes no combate à pandemia enquanto o risco de contágio é elevado, vão continuar a sê-lo quando esse risco diminuir, ou desaparecer porque, infelizmente, não “vamos ficar todos bem”, ou não vamos ficar todos igualmente bem. Há os que perderam entes queridos e que ficaram irreversivelmente abalados por isso; há os que estão a sofrer, ou vão sofrer perdas irreversíveis de rendimento e os que estão a perder, ou vão perder o seu emprego, ou empresa, com muitas dificuldades para voltarem a encontrar outro emprego, ou criar outra empresa; há os estudantes que estão a ficar, ou vão ficar para trás nas suas aprendizagens relativamente aos seus colegas; há os migrantes, as pessoas sem abrigo, as que sofrem de violência doméstica e outras vítimas de exclusão social que acabam por sofrer sempre mais do que o resto da sociedade quando ocorre algum acontecimento com impacto coletivo negativo. Embora as respostas públicas sejam precisas e imprescindíveis para acudir a estes problemas durante e após a pandemia, há muito mais que é preciso fazer e para o qual as comunidades humanas e as organizações de economia social nelas inseridas são imprescindíveis. Falando de políticas públicas, há que referir uma falha grave que estas políticas têm tido no que se refere às comunidades humanas e às organizações de economia social nelas inseridas. Sem trazer para aqui a discussão da questão do montante total de financiamento público que é atribuído ao setor da economia social e da sua distribuição dentro deste setor, há uma lacuna que deve ser referida na linha do que aqui se assinalou como sendo a base comunitária e territorial de grande parte das organizações deste setor. Esse financiamento tem poucos incentivos e os que tem são maus para incentivar o desenvolvimento de base comunitária. Os financiamentos públicos são atribuídos às pessoas e às organizações, mas privilegiando uma atribuição individual. Quando estas pessoas e organizações querem promover e robustecer processos de base comunitária o que existe de incentivos é quase nada, ou é mau, sendo muitas as barreiras do lado da própria Administração Pública e não só para impedir o desenvolvimento desse tipo de processos. Que os tempos que correm e os que aí vêm contribuam para que mais pessoas e mais responsáveis de entidades públicas e privadas tomem consciência de que é preciso que todos façam a sua parte para construir mais e melhores comunidades humanas. Que estes tempos também façam ver que estas comunidades são o “caldo de cultura” onde nascem e onde se alimentam as organizações de economia social sem as quais não há respostas eficazes aos problemas sociais, sejam eles os que estão ligados à pandemia em curso, ou sejam outros. [1] CASES – Cooperativa António Sérgio para a Economia Social e Instituto Nacional de Estatística (2019). Conta Satélite da Economia Social / Social Economy Satellite Account 2016. Inquérito ao Trabalho Voluntário / Survey on Volunteer Work 2018. Lisboa: CASES (sob autorização do INE). |
ENG
RELEVANCE OF HUMAN COMMUNITIES IN THE SOCIAL ECONOMY SECTOR IN PORTUGAL AND THE RESPONSES TO COVID-19
Américo M. S. Carvalho Mendes Coordinator of ATES – Transversal Area of Social Economy at Universidade Católica Portuguesa (Oporto) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . The vast majority of Social Economy Organisations are closely linked to community-based human groups and, more precisely, to territorial-based human communities.
See the data from the most recent edition of Social Economy Satellite Account for 2016 (1) with regard to the distribution of 71,885 organisations in the Social Economy sector in Portugal according to the activities of the International Ranking of Non-Profit and Third Sector Organisations. The most numerous group is that of organisations linked to Culture, Communication and Leisure Activities. That year there were 33,722. The vast majority of these organisations are the so-called Culture, Leisure and Sports Collectives. Religious organisations are next. That year there were 8,533. Many of these organisations are the Church Factories and Confraternities of the Catholic Church, therefore, parish-based organisations. They are joined by religious associations, also Catholic, or, increasingly, organisations linked to local communities from other religious denominations. Thirdly, there are organisations providing social services. In 2016, there were 6,978. The vast majority of these organisations are those registered as IPSS, which number more than 5,000. In the remaining activities, the distribution of the number of organisations was as follows, in 2016: • Civic, legal, political and international intervention activities: 5,912; • Business, professional organisations and trade unions: 3,815; • Education: 2,594; • Professional, scientific and administrative services: 2,547; • Health: 2,386; • Community and economic development and housing: 2,106; • Environmental protection and animal wellbeing activities: 726; • Philanthropy and promotion of volunteering: 322; • Other activities: 2,244. If one analyses the group of organisations ranked in these nine categories, it appears that there are more than 5,000 that are in activities related to the protection and enhancement of local resources, or respond to the needs of local communities. This is the case of local and regional development organisations, associations and residents’ committees, improvement leagues, organisations for the defence of sites with environmental value, local wasteland communities, forest producer organisations, together of farmers responsible for the management of collective irrigation, territorial-based cultural heritage defence organisations, voluntary fire brigade associations, etc. Therefore, adding the numbers of organisations in the first three categories with those of the aforementioned group, we have a total of more than 54,000 organisations, that is, more than 75% of the total social economy organisations in the country. Therefore, more than 3 out of 4 social economy organisations in Portugal have emerged and serve human communities with a territorial base, in most cases of infra-municipal scope, responding to the needs of these communities in terms of recreation, cultural and leisure activities, practices religious services, outreach social services, civil protection services and protection and enhancement of local natural and cultural resources. Before proceeding with the implications of this structural feature of Social Economy sector in Portugal, we shall define what is meant by human communities. These are groups of human beings with the following characteristics: • Its members have some life experience in common (they live or come from the same place or region, work in the same organisation, are in the same profession, have the same hobbies and practice them together, experienced a happy or tragic event together, etc.); • There is some sense of collective identity; • There is a sense of belonging to a collective regulated by implicit or explicit rules that may include rituals and traditions that symbolise such belonging; • Although there may be disparities of different sorts between members of a community, these meanings of identity and collective belonging confer some equality in what keeps people most connected to their community; • The forms of interpersonal communication are very important in contacts between members of a community, and this communication happens with some recurrence; • There are one, or several, material or immaterial resources that are the object of forms of collective appropriation by members of the community (waste, collective irrigation, the public space of a neighbourhood, material or immaterial cultural heritage, technical and scientific knowledge, etc.); • There are ways of giving and helping each other that connect community members. When the experiences of living in common, the resources and needs on which human communities are based have a relationship with a given territory, then it is territorial-based communities that are concerned. As we have seen, this is the case for most organisations in Social Economy sector in Portugal. There are, however, other forms of human communities that are not predominantly territorial-based. The new information and communication technologies have greatly facilitated the development of these other forms of community. They can be, for example: • practice communities involving people with the same professional activity, who share their knowledge and work experiences; • knowledge communities of people who study common matters; • learning communities where teachers, students and others share knowledge and learning; • entrepreneurial communities of people who share new ideas about processes and products they want to develop collaboratively. That said, we shall see some implications that arise, or should derive from the community base on which many social economy organisations in Portugal are based. One implication is that the issue of the sustainability of these organisations must be related to that of the community that they are linked to. The better (worse) this link is, the more (less) sustainable the organisation in question will tend to be. This connection to community also contributes to the fact that this aspect of the sustainability of an organisation, which is its durability, is linked to the durability of the community in which it operates. A vital and lasting community will contribute to having social economy organisations within it that also endure along with it. If the surrounding community is losing vitality, then it will also contribute to the loss of vitality of Social Economy organisations within it. Note, also, how the life span of human communities tends to be longer than that of the different generations of a family, or the period of time during which an economic activity is profitable. As such, this can help understand why there are a good number of social economy organisations that last longer than family businesses, or more than companies whose owners essentially seek profit, even though they may be large companies and social economy organisations may be small and fragile in appearance. Another implication of the community and territorial base of many of Social Economy organisations in Portugal is that they are at the forefront when it comes to helping, or preventing, with proximity responses, negative events with collective impact, as is the case, now, with covid-19. In responding to this pandemic, the very important role of various forms of human communities and Social Economy organisations inserted in it has been very apparent: • the caring communities where organisations providing social services, their users, managers and workers, plus their families, municipalities, companies and other local people and entities help each other care for the elderly and other vulnerable local people; • various practice communities such as those who run and work in the aforementioned social organisations, communities of health professionals, and others who share knowledge and experience about how they are dealing with the pandemic; • some knowledge communities and entrepreneurial communities that have organised to design and produce tests, ventilators, masks, personal protective equipment and other resources needed to fight the pandemic; • learning communities that have organised to support distance learning; • artistic communities that were created to animate the difficult times we are living with music and other forms of artistic expression. The more and better communities there are in these and other ways, the easier it will be to fight this pandemic, as well as other social problems. For this reason, everything that is done to create and strengthen human communities, whether territorial or otherwise, is very important. If these communities are already very important in fighting the pandemic while the risk of contagion is high, they will continue to be so when that risk decreases or disappears, because, unfortunately, we will not “be all right”, or we will not be all equally well. There are those who have lost loved ones and have been irreversibly shaken by it; there are those who are suffering, or are going to suffer irreversible loss of income and those who are losing, or are going to lose their job, or company, with many difficulties to find another job again, or to create another company; there are students who are or will be lagging behind in their learning compared with their peers; there are migrants, homeless, people who suffered domestic violence and other victims of social exclusion that ultimately always suffer more than the rest of society when there is an event with collective negative impact. Although public responses are accurate and essential to address these problems during and after the pandemic, much more needs to be done and for that, human communities and social economy organisations are essential. Speaking of public policies, we must mention a serious flaw that these policies have had with regard to human communities and Social Economy organisations inserted in them. Without delving into the discussion on the issue of the total amount of public funding allocated to the Social Economy sector and its distribution within this sector, there is a gap that must be pointed out in line with what has been marked here as the community base of most organisations in this sector. This funding has few incentives and those that do exist are bad at encouraging community-based development. Public funding is allocated to individuals and organisations, but privileging individual allocation. When these people and organisations wish to promote and strengthen community-based processes, existing incentives are near to none, or poor, and there are many barriers from Public Administration itself and not only to prevent the development of that type of processes. May the current times and those to come help more people and officials of public and private entities become aware that everyone must do their part to build more and better human communities. May these times make us see that these communities are the “breeding ground” where social economy organisations are born and nourished without which there are no effective responses to social problems, whether they are linked to the ongoing pandemic, or otherwise. (1) CASES –António Sérgio Cooperative for Social Economy and National Institute of Statistics (2019). Social Economy Satellite Account 2016. Survey on Volunteer Work 2018. Lisbon: CASES (under authorisation from INE).
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