Rui Marques
Forum Estudante
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TRANSFORMA PORTUGAL
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Com o tempo, o voluntariado tem vindo a ganhar um espaço crescente na sociedade portuguesa, afirmando-se quase como obrigação social e até como mais-valia pessoal e curricular. Para que o sucesso não seja perverso, torna-se necessário afinar conceitos e recuperar sentido, para que não se perca a essência do que é ser voluntário.
Se por um lado o voluntariado assumiu um estatuto de expressão nobre de cidadania, enquanto forma de afirmação da justiça social na construção de um mundo mais justo, por outro lado, numa perspetiva solidária, o voluntariado decorre do exercício do serviço ao próximo, de uma forma gratuita e desinteressada, aos que mais precisam em cada momento. Esta dupla condição de solidariedade e cidadania que o exercício do voluntariado comporta é particularmente exigente. Vale a pena sublinhar cinco pilares desta visão de voluntariado: - O voluntariado como dádiva e acolhimento – Por contraposição ao trabalho remunerado, o voluntariado surge como uma dádiva, sem contrapartidas. Essa gratuitidade deve ser levada muito para além da ausência da remuneração. Nada esperar em troca, nem sequer um simples “obrigado”, é a atitude certa do voluntário que se dá plenamente. No entanto, paradoxalmente, quem faz voluntariado desta forma recebe cem vezes mais do que deu. Não em dinheiro, nem sequer talvez em reconhecimento público, mas no que mais importa: sentido de vida. Saber acolher e saborear essa experiência é vital. - O voluntariado como expressão de liberdade – uma outra interpretação óbvia do que é “voluntário” é não ser uma atividade obrigatória, nem imposto de fora. É, por isso, uma das mais nobres formas de exercício de liberdade e de vontade, imposta somente pela consciência e pelo sentido de missão. Evidentemente esse exercício livre não pode nunca ser confundido com irresponsabilidade, nem “insustentável leveza” de uma vontade que vai e vem. - O voluntariado para quem mais precisa – o critério da maior necessidade dos destinatários constitui um dos referenciais prioritários para um voluntariado exigente. É outra expressão da “descentragem” que se exige, pois quem faz voluntariado não o faz para se servir a si próprio; fá-lo para outros que estão em situação vulnerável. A este critério somam-se, naturalmente, a vocação do voluntário e a viabilidade da ação voluntária. - O voluntariado organizado – já não tão imediato, o critério do enquadramento organizativo, é igualmente relevante. Um voluntariado eficaz raramente é um exercício a solo. A complementaridade de competências, a continuidade no tempo, a energia de um coletivo, a mobilização de recursos acrescidos, constituem algumas das vantagens de um voluntariado exercido no âmbito de uma organização formal. - O voluntariado como compromisso – finalmente sublinha-se a dimensão da perseverança e determinação que o voluntariado exige. Este é talvez uma das maiores fragilidades em tantos gestos de voluntariado, que começam generosamente, mas rapidamente se transformam em gestos levianos e inconsequentes. O desafio de assumir um compromisso sério e levado até ao fim, em consequência de uma opção livremente assumida por quem decidiu envolver-se num projeto de voluntariado, é essencial. Estes cinco pilares têm inspirado o trabalho do Transforma Portugal que a Forum Estudante, em parceria com o movimento Transforma Brasil, tem desenvolvido na promoção do voluntariado, em particular junto dos jovens universitários em Portugal. Numa plataforma digital que promove o encontro entre a oferta e a procura de trabalho voluntário procura-se incentivar o forte compromisso social dos estudantes, em dinâmicas animadas pelas respetivas instituições de ensino superior. O exemplo pioneiro da Universidade de Coimbra, com o seu projeto UC Transforma, desenvolvido no âmbito desta parceria, mostra a força de uma intervenção consistente e robusta. O fundador do Transforma, Fábio Silva, defende que “são as pequenas ações que transformam o mundo.” É isso que temos sentido nesta longa jornada através do voluntariado. Coloca-se, porém, a necessidade de ir mais longe. E, nesse domínio, o Estado tem uma responsabilidade inalienável de promoção e de incentivo às dinâmicas de voluntariado. O papel das políticas de Educação e de Juventude, por exemplo, pode ser muito relevante para a promoção de uma cultura de voluntariado desde cedo. Precisamos de uma sociedade mais solidária, mais coesa e mais cuidadora. Para isso, mais e melhor voluntariado será essencial. |
Over time, volunteering has gained a growing space in Portuguese society, asserting itself almost as a social obligation and even as a personal and curricular gain. For this success not to be perverse, it is necessary to refine concepts and recover meaning, so that the essence of what it is to be a volunteer is not lost.
If on the one hand, volunteering has assumed the status of a noble expression of citizenship, as a form of affirmation of social justice in the construction of a fairer world, on the other, from a perspective of solidarity, volunteering stems from the exercise of service to others, in a free and unselfish way, to those who need it most at any given moment. This double condition of solidarity and citizenship that the exercise of volunteering involves is particularly demanding. It is worth highlighting five pillars of this idea of volunteering: - Volunteering as a gift and a welcome - as opposed to paid work, volunteering appears as a gift, without any consideration. This gratuitousness must go far beyond the absence of remuneration. Expecting nothing in return, not even a simple "thank you", is the right attitude of a volunteer who gives him/herself fully. Paradoxically, however, those who volunteer in this way receive a hundred times more than he/she gives. Not in money, perhaps not even in public recognition, but in what matters most: a sense of life. Knowing how to welcome and savour this experience is essential. - Volunteering as an expression of freedom - another obvious interpretation of what is "volunteering" is that it is not a compulsory activity, nor imposed from outside. It is therefore one of the noblest forms of exercising freedom and will, imposed only by conscience and a sense of mission. Obviously, this free exercise must never be confused with irresponsibility or the "unsustainable lightness" of a will that comes and goes. - Volunteering for those most in need - the criterion of the greatest need of the recipients is one of the priority benchmarks for demanding volunteering. It is another expression of the "de-centring" that is required, because those who volunteer do not do it to serve themselves; they do it for others who are in vulnerable situations. In addition to this criterion, there is, of course, the vocation of the volunteer and the viability of the volunteering action. - Organised volunteering - no longer so immediate, the criterion of the organisational framework is equally relevant. Effective volunteering is rarely a solo exercise. The complementarity of skills, continuity over time, the energy of a collective, the mobilisation of increased resources, are some of the advantages of volunteering within a formal organisation. - Volunteering as a commitment – finally, the dimension of perseverance and determination that volunteering requires is highlighted. This is perhaps one of the biggest weaknesses in so many volunteer gestures, which start out generously but quickly turn into frivolous and inconsequential gestures. The challenge of making a serious commitment and carried through to the end, as a result of a freely made choice by those who have decided to get involved in a volunteer project, is essential. These five pillars have inspired the work of Transforma Portugal that Forum Estudante, in partnership with the Transforma Brasil movement, has developed to promote volunteering, particularly among young university students in Portugal. A digital platform that promotes the meeting between the supply and demand for volunteering seeks to encourage a strong social commitment from students, in dynamics animated by the respective higher education institutions. The pioneering example of the University of Coimbra, with its project UC Transforma, developed under this partnership, shows the strength of a consistent and robust intervention. The founder of Transforma, Fábio Silva, argues that "it is the small actions that transform the world." This is what we have felt in this long journey through volunteering. However, there is a need to go further. And, in this area, the State has an inalienable responsibility to promote and encourage the dynamics of volunteering. The role of Education and Youth policies, for example, can be very relevant in promoting a culture of volunteering from an early age. We need a society with more solidarity, more cohesion and more care. For this, more and better volunteering will be essential. |