IMPORTÂNCIA ECONÓMICA E SOCIAL DAS IPSS
Lino Maia Presidente da CNIS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . As Instituições de Solidariedade Social são uma realidade multissecular na sociedade portuguesa, encontram-se dispersas por todo o país e, durante séculos, foram a instância fundamental de proteção social. No entanto, sobretudo a partir do século XX, com o advento da previdência e, depois, da segurança social, evoluíram para um papel diferente, mantendo e até aumentando, as suas atividades. A mudança traduziu-se, em especial, no facto de o Estado assumir a responsabilidade política pela proteção social, mediante a consagração de direitos e a prestação de serviços diversos.
Para esta prestação, o Estado recorreu à participação das Instituições Particulares de Solidariedade Social (IPSS), regulando a sua atividade e assegurando-lhes uma parte significativa do financiamento. Daí resultou um estatuto que, parecendo ambíguo, foi criativo para o desenvolvimento da ação social: as instituições “sentiram-se” contratadas pelo Estado para a prestação de serviços que a este competiam e, ao mesmo tempo, procuraram manter a sua identidade própria, radicada na sociedade civil, independentemente do papel do Estado. Esta evolução originou três conceções acerca da missão das IPSS: a estatizante, a de autorresponsabilização e a de cooperação. A primeira considera o Estado como o responsável pela ação social que pode, e talvez deva concessionar no todo ou em parte, às IPSS e a outras entidades. Nesta conceção, as instituições configuram-se como prestadoras de serviços ao Estado e, em simultâneo, aos utentes. Na conceção de autorresponsabilização, as instituições consideram--se emanação da sociedade civil e, por isso, vinculadas diretamente à solução dos respetivos problemas sociais. Porém, desde as fases mais antigas da sua história, sempre se verificou a comparticipação dos poderes públicos, no pressuposto de que também eram corresponsáveis por esta dimensão fundamental do bem comum. A terceira conceção — cooperação — corresponde à síntese das outras duas: as instituições estão comprometidas, até identificadas, com os mais vulneráveis, prestam-lhes as ajudas possíveis, com os seus próprios meios, requerem a intervenção subsidiária do Estado e assumem-no como corresponsável e regulador. Neste entendimento, as instituições não se posicionam face ao Estado, fundamentalmente na defesa da sua viabilidade, mas sim a favor das pessoas que mais necessitam. Assim, com estas mesmas pessoas e as suas famílias, com o Estado, com as comunidades locais e com outras entidades, procuram as melhores soluções possíveis. Crê-se ser legítimo afirmar que, ao longo da nossa história social, prevaleceu a terceira conceção, isto é, a cooperação, não só com o Estado, mas também com outras entidades, mau grado as oscilações pontuais tanto para a primeira como para a segunda conceção, sendo muito difundida entre as IPSS, a convicção de que, mesmo que o Estado fosse ilimitado em recursos financeiros, continuava a ser indispensável a sua existência, ainda que com uma configuração diferente. Elas estariam capilarmente inseridas, como estão, no tecido social e desenvolveriam, pelo menos, as seguintes atividades: atenção a cada caso ou problema social; prestação direta e imediata das primeiras ajudas; mediação junto de entidades responsáveis pelas soluções adequadas; e acompanhamento de cada caso ou problema até à respetiva solução. Mas, numa situação de recursos escassíssimos, é perfeitamente razoável que as IPSS tenham sofrido a evolução que a história e a realidade atual patenteiam. Note-se que a escassez de recursos não é novidade ou uma consequência das crises económicas, bem pelo contrário, acompanhou toda a história destas Instituições. Contudo, mesmo assim, estas foram cada vez mais chamadas a intervir e demonstraram capacidade para responder às inúmeras, complexas e exigentes solicitações. As Instituições Particulares de Solidariedade Social — legitimadas pelo art.º 46 da Constituição Portuguesa, que define o direito da livre associação dos cidadãos — são pessoas coletivas, sem finalidade lucrativa, constituídas exclusivamente por iniciativa de particulares, com o propósito de dar expressão organizada ao dever moral de justiça e de solidariedade, contribuindo para a efetivação dos diretos sociais dos cidadãos, desde que não sejam administradas pelo Estado ou por outro organismo público (Estatuto das IPSS, Decreto-Lei n.º 172-A/2014, de 14 de novembro). Pautando a sua atuação pelos princípios orientadores definidos na Lei de Bases da Economia da Social (Lei n.º 30/2013, de 8 de maio) — o primado das pessoas; a liberdade de associação; o controlo democrático; a conciliação de interesses; o respeito pelos valores da solidariedade; a autonomia de gestão e a afetação de excedentes ao setor — e assumindo um papel fundamental na prevenção, na prestação de bens e serviços aos utentes e à comunidade, contribuem para a promoção e desenvolvimento das pessoas e dos espaços. Independentemente da sua natureza jurídica, dos motivos que levaram à sua constituição e dos fins que prosseguem, as IPSS atuam com base num quadro de valores comuns, sendo a sua ação consubstanciada pela inter-relação entre: diversidade, inclusão, participação, perseverança, proximidade, solidariedade e subsidiariedade. A dimensão humana, de cidadania, de utilidade social e económica, bem como a capilaridade territorial e a proximidade às pessoas, aliada à capacidade agregadora de interesses diversos, de espírito empreendedor, de inovação e mobilização estão na especificidade das Instituições. São estas características que fazem com que cada instituição seja um agente preponderante para o crescimento económico e sustentado, estando ao serviço das pessoas e comunidades, adequando as respostas às suas necessidades e expectativas. De acordo com o último relatório da Carta Social (2018), 71,3% do número total de entidades proprietárias da rede de serviços de equipamentos sociais eram não lucrativas, sendo a grande maioria delas (61,3%) entidades do Setor Social e Solidário (IPSS, equiparadas e outras organizações particulares sem fins lucrativos), cabendo ao setor público 9,92% e aos serviços sociais de empresas 0,1%. Em conjunto, as entidades não lucrativas da rede solidária e pública eram responsáveis por 83% dos 11.500 equipamentos sociais em funcionamento, o que confirma a importância destes setores no âmbito da proteção social às populações. Um apuramento dos dados da Carta Social relativos a 2017 demonstra a relevância do Setor Social e Solidário no sistema de proteção social ao evidenciar, por exemplo, que as IPSS tinham equipamentos para crianças e pessoas idosas em 70,8% do número total de freguesias do Continente, sendo as únicas entidades com estas respostas em 27,2% das freguesias. Estes números demonstram a capilaridade e proximidade das Instituições e fortalecem a importância da Solidariedade, assente na responsabilidade recíproca entre os elementos de uma comunidade, reforçando os laços sociais que os unem em prol do bem comum na realização das finalidades da cooperação: uma resposta equilibrada aos problemas sociais, assente na complementaridade entre a responsabilidade do Estado e a iniciativa da sociedade civil, traduzida num compromisso entre o Estado e as instituições na adoção de decisões que garantam uma proteção social adequada, eficaz e próxima dos cidadãos, atendendo ao respetivo nível de intervenção. Sempre numa perspetiva de equilíbrio e respeito pela autonomia e identidade das Instituições e na aceitação de que, salvaguardado o cumprimento da legislação aplicável, exercem as suas atividades por direito próprio e inspiradas no respetivo quadro axiológico, previsto, já em 1996 no Pacto de Cooperação para a Solidariedade Social. A lei assegura a liberdade e a autonomia das instituições e estabelece que a cooperação entre o Estado e o Setor Social e Solidário consiste na relação de parceria e lealdade, com o objetivo de desenvolver um modelo de contratualização assente na partilha de objetivos e interesses comuns, bem como de repartição de obrigações e responsabilidades (Decreto-Lei n.º 120/2015, 30 de junho). O Setor Social e Solidário está, portanto, implantado, organizado e solidificado, sendo constituído por associações cooperativas e fundações de solidariedade social, casas do povo, centros sociais paroquiais, institutos de organização religiosa, irmandades da misericórdia e mutualidades, com respostas para o acolhimento institucional para crianças e jovens em perigo, de alojamento social de emergência, cantinas sociais, casas abrigo, centros de acolhimento, de convívio, de dia e de noite para pessoas idosas, de apoio à vida e a toxicodependentes, de apoio familiar e aconselhamento parental, comunitários e protocolares, de atividades ocupacionais e de tempos livres, creches, cuidados continuados integrados, infantários, lares de infância, juventude ou pessoas idosas, serviços de apoio domiciliário, entre muitas outras respostas. Para uma quantificação atualizada da importância social e económica das Instituições Particulares de Solidariedade Social em Portugal a CNIS assegurou o cofinanciamento do Programa Operacional Inclusão Social e Emprego (POISE), Portugal 2020, e confiou o estudo à Equipa da ates— Área Transversal de Economia Social da Universidade Católica Portuguesa (Porto) que o desenvolveu sob a coordenação do Professor Doutor Américo Manuel dos Santos Carvalho Mendes e a assessoria da Dra. Palmira dos Santos Macedo. Já foi publicado em dezembro de 2018 um primeiro estudo, com base nas contas do exercício de 2016 de 565 IPSS e equiparadas. Esta amostra corresponde a 10% do número total destas instituições existentes no país. A distribuição destas 565 instituições por distritos e Regiões Autónomas e por formas jurídicas é a mesma que para o total nacional destas instituições. O presente estudo atualiza para os exercícios de 2017 e 2018 a Central de Balanços constituída nesse primeiro estudo, acrescentando-lhe uma análise do importante contributo que as IPSS dão para a coesão territorial ao serem responsáveis por uma boa parte do emprego nas zonas do interior. Com as mesmas Equipa, Coordenação e Assessoria, mas futuramente com o apoio da Fundação La Caixa, a CNIS continuará a analisar periodicamente a evolução da Importância Económica e Social das IPSS em Portugal, atualizando esta Central de Balanços e acrescentando-lhe análises de mais elementos da relevância destas organizações. Introdução ao estudo da ATES — Área Transversal de Economia Social da Universidade Católica Portuguesa (Porto)
sob a coordenação do Professor Doutor Américo Mendes. |