HENRŸ HAGEN
Henrÿ estudou na Alemanha, Suíça, França e Finlândia e trabalhou como consultor jurídico do Governo alemão, como Chefe do Departamento de Cooperativas da OIT e como Diretor de Investigação na Universidade de Helsínquia, de onde também obteve os seus graus de doutoramento e docente e da qual é professor convidado. Desde 1994, presta consultoria sobre política e legislação cooperativa em/para mais de 70 países e coordena o Comité de Direito Cooperativo da ACI. Henrÿ tem vasta obra publicada e é membro de várias associações científicas e de conselhos editoriais de revistas científicas. Desde 2004, leciona Direito Cooperativo e Direito Comparado. |
1. Introdução
Sendo membros da Aliança Cooperativa Internacional (ACI) ou membros destes membros, a grande maioria das cooperativas em todo o mundo[1] tem de ser democraticamente controlada pelos seus membros. Mais precisamente, os membros das cooperativas "satisfazem as suas [...] necessidades e aspirações comuns através de uma [...] empresa democraticamente controlada." O artigo 12.2, em conexão com o Apêndice "A" dos estatutos da ACI,[2] uma associação de direito belga, obriga-os juridicamente a este respeito. As palavras são citadas a partir da definição de cooperativas contida neste Apêndice. Para além da definição, este apêndice reproduz também as outras partes da Declaração da ACI de 1995 sobre a identidade cooperativa (Declaração ACI), [3] nomeadamente um conjunto de seis valores cooperativos, um conjunto de quatro valores éticos dos membros e sete princípios. Juntas, essas partes compõem a identidade das cooperativas. Através da inclusão nos Estatutos da ACI, o texto da Declaração da ACI tornou-se assim um texto juridicamente vinculativo para a ACI, os seus membros e os membros desses membros.[4] Ao afirmar que "[n]as cooperativas de primeiro grau os membros têm direitos de voto iguais (um membro, um voto) [...]" - a chamada "regra de um membro, um voto" – o 2º Princípio da ACI (controlo democrático pelos membros) refere-se ao significado etimológico da palavra "democracia". No entanto, com demasiada frequência, as partes interessadas e o meio académico estão satisfeitos com a redução deste significado à regra «um membro, um voto». O objetivo deste artigo é, em primeiro lugar, demonstrar que o texto da Declaração da ACI, respetivamente o texto do Apêndice "A" dos Estatutos da ACI, conforme anexo, comporta a noção muito mais ampla de participação democrática dos membros (2.). Em seguida, discute-se a relevância da participação democrática dos membros (3.) e as dificuldades que as cooperativas encontram ao operacionalizá-la (4.). O artigo conclui (5.) com algumas observações gerais sobre as condições para que esta participação se torne efetiva. Embora tendo em consideração o trabalho preparatório que levou à adoção da Declaração da ACI e dos instrumentos subsequentes para a sua interpretação, o artigo centra-se numa interpretação textual da Declaração da ACI, espelhando-a quase exclusivamente em relação aos instrumentos jurídicos e não discutindo a literatura relevante em pormenor.[5] O artigo também inclui algumas sugestões para uma reformulação da Declaração com vista a reforçar o aspeto da participação democrática dos membros nas cooperativas [1] De acordo com as suas próprias informações, "[a] Aliança Cooperativa Internacional é hoje uma das maiores organizações não-governamentais do mundo pelo número de pessoas que representa: mais de mil milhoes de cooperadores de qualquer uma das 3 milhões de cooperativas em todo o mundo" (ver https://www.ica.coop/en/cooperatives/facts-and-figures. Visitado em 13.11.2023). O número total de cooperativas em todo o mundo não é conhecido. Mesmo as estimativas são difíceis de apresentar, uma vez que as noções de cooperativa variam e as estatísticas não estão harmonizadas. Para um esforço para remediar a situação, ver os esforços do Departamento de Cooperativas do Escritório Internacional do Trabalho em https://www.ilo.org/Search5/search.do?sitelang= en&locale=en_ EN&consumercode=OIT (visitado em 23.11.2023). [2] Texto dos Estatutos da ACI ( https://www.ica.coop/en/about-us/our-structure/alliance-rules-and-laws (visitado em 13.11.2023). Ver também o anexo do presente artigo. [3] Texto da Declaração da ACI (https://www.ica.coop/en/cooperatives/cooperative-identity (consultado em 13.11.2023)). [4] O artigo não discute a questão de saber se os estatutos do ICA são realmente vinculativos para os membros dos membros da ACI; pressupõe que sim. [5] Trabalhos preparatórios: Resolução do Conselho de Administração da ACI para a Assembleia Geral da ICA sobre "A Declaração sobre a Identidade Cooperativa" e a Declaração sobre as Cooperativas para o Século XXI" em conexão com os Comentários Introdutórios aos princípios do Documento de Referência à Declaração da ACI sobre a identidade cooperativa, bem como MacPherson, Ian, Princípios Cooperativos para o Século XXI. Todos os textos estão disponíveis em formato pdf na ACI. Ferramentas de interpretação: Na sequência do Congresso da ICA de 2012, que deveria celebrar o Ano Internacional das Cooperativas das Nações Unidas, a ICA emitiu o Plano da Aliança Cooperativa Internacional para uma década cooperativa 2011-2020 (disponível em: ica.coop/sites/default/files/media_items/ICA%20Blueprint%20%20Final%20version%20issued% 207%20Feb%2013.pdf) e, em 2015, as notas de orientação da Aliança Cooperativa Internacional para os princípios cooperativos ( https://ica.coop/en/media/library/the-guidance-notes-on-the-co-operative-principle). Bibliografia selecionada e incompleta sobre os princípios cooperativos: Monografias são raras, sendo o clássico Watkins, W.P., Co-operative Principles. Hoje e Amanhã, Holyoake Books 1986 (1990). Artigos principalmente sobre princípios únicos foram especialmente publicados no Boletín de la Asociación de Derecho Cooperativo. Revista da Associação Internacional de Direito Cooperativo (ver Volumes 23 e 24/1995, 2014, 2017, 53/2018, 55/2019, 57/2020, 59/2021 e 61/2022), em Deusto Estudios Cooperativos (ver Volumes 8/2016, 11/2018, 13/2019), e na Revista Jurídica de Economía Social y Cooperativa 20/2009, 25/2014, 27/2015). Para uma monografia recente sobre o 7º Pirncipio ver Hernández Cáceres, Daniel, El principio cooperativo de interés por la comunidad en derecho español y comparado. Especial referencia a las cooperativas sociales, Tesis doctoral, Universidad de Almería 2023. Translated by CASES team (Filipa Farelo, Eduardo Pedroso and Edna Neves) |
1. Introduction
Being members of the International Cooperative Alliance (ICA) or members of these members, the large majority of cooperatives around the world [1] have to be democratically controlled by their members. More precisely, the members of cooperatives “meet their common […] needs and aspirations through a […] democratically controlled enterprise.” Article 12.2, in connection with Appendix “A” of the Articles of Association of the ICA, [2] an association under Belgian law, obliges them legally in this respect. The words are cited from the definition of cooperatives as contained in this Appendix. Besides the definition, this Appendix reproduces also the other parts of the 1995 ICA Statement on the cooperative identity (ICA Statement), [3] namely a set of six cooperative values, a set of four ethical values of the members and seven principles. Together, these parts compose the identity of cooperatives. Through inclusion into the Articles of Association of the ICA, the text of the ICA Statement has thus become a legally binding text for the ICA, its members and the members of these members. [4] By stating that “[i]n primary cooperatives members have equal voting rights (one member, one vote) […]” - the so-called ‘one member, one vote rule’ - the 2nd ICA Principle (Democratic member control) refers to the etymological meaning of the word ‘democracy’. All too often, however, stakeholders and academia are satisfied with the reduction of this meaning to the ‘one member, one vote rule’. The objective of this article is to first demonstrate that the text of the ICA Statement, respectively the text of Appendix “A” of the Articles of Association of the ICA, as annexed, carries the much wider notion of member democratic participation (2.). Thereafter, it discusses the relevance of member democratic participation (3.) and the difficulties cooperatives encounter when operationalizing it (4.). The article concludes (5.) on some general remarks on the conditions for this participation to become effective. While taking into consideration the preparatory work which led to the adoption the ICA Statement and subsequent tools for its interpretation, the article focusses on a textual interpretation of the ICA Statement, mirroring it almost exclusively against legal instruments and not discussing the relevant literature in any detail. [5] The article also includes some suggestions for a rewording of the Statement in view of strengthening the aspect of member democratic participation in cooperatives. [1] According to its own information “[t]he International Cooperative Alliance is one of the largest non-governmental organisations in the world today by the number of people it represents: more than 1 billion cooperative members from any of the 3 million cooperatives worldwide” (see https://www.ica.coop/en/cooperatives/facts-and-figures. Visited 13.11.2023). The total number of cooperatives world-wide is not known. Even estimates are difficult to come up with as the notions of cooperative vary and as statistics are not harmonized. For an effort to remedy the situation, see the efforts of the Cooperative Branch of the International Labor Office at https://www.ilo.org/Search5/search.do?sitelang= en&locale=en_ EN&consumercode=ILO (visited 23.11.2023). [2] Text of the Articles of Association of the ICA ( https://www.ica.coop/en/about-us/our-structure/alliance-rules-and-laws (visited 13.11.2023). See also Annex to this article. [3] Text of the ICA Statement (https://www.ica.coop/en/cooperatives/cooperative-identity (visited 13.11.2023)). [4] The article does not discuss the question of whether the Articles of Association of the ICA are indeed also binding for the members of the members of the ICA; it assumes they do. [5] Preparatory work: Resolution from the ICA Board to the ICA General Assembly on “The Statement on the cooperative identity” and the Declaration on Co-operatives towards the 21st century” in connection with the Introductory comments to the principles in the Background paper to the ICA Statement on the cooperative identity, as well as MacPherson, Ian, Co-operative Principles for the 21st Century. All texts available in pdf format from the ICA. Interpretation tools: Following the 2012 ICA Congress in 2012, which was to celebrate the United Nations International Year of Cooperatives, the ICA issued the International Cooperative Alliance Blueprint for a cooperative decade 2011-2020 (available at: ica.coop/sites/default/files/media_items/ICA%20Blueprint%20%20Final%20version%20issued% 207%20Feb%2013.pdf) and in 2015 the International Co-operative Alliance Guidance notes to the co-operative principles ( https://ica.coop/en/media/library/the-guidance-notes-on-the-co-operative-principle). Select, incomplete bibliography on the cooperative principles: Monographs are rare, the classic being Watkins, W.P., Co-operative Principles. Today and Tomorrow, Holyoake Books 1986 (1990). Articles mainly on single principles have especially been published in the Boletín de la Asociación de Derecho Cooperativo. International Association of Cooperative Law Journal (see its Volumes 23 and 24/1995, 2014, 2017, 53/2018, 55/2019, 57/2020, 59/2021 and 61/2022), in Deusto Estudios Cooperativos (see its Volumes 8/2016, 11/2018, 13/2019), and in Revista Jurídica de Economía Social y Cooperativa 20/2009, 25/2014, 27/2015). For a recent monograph on the 7th Pirnciple see Hernández Cáceres, Daniel, El principio cooperativo de interés por la comunidad en derecho español y comparado. Especial referencia a las cooperativas sociales, Tesis doctoral, Universidad de Almería 2023. |