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Revista ES - Economia Social
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USURA
O camião betoneira não pode parar; nisso é como o pássaro no ar ou o peixe na água – a sobrevivência depende do movimento contínuo. Se o pássaro paralisa, cai, se o peixe se imobiliza, asfixia, se o camião pára – se o tambor deixa de rodar –, o cimento estagna na forma de um inútil e colossal cilindro de cimento compacto. O dinheiro, diz-se, também não pode parar; é o movimento perpétuo que lhe permite manter o seu incaracterístico valor. O dinheiro move-se através de compras, vendas e empréstimos, ou seja, move-se passando de pessoa para pessoa, de entidade para entidade, de carteira em carteia, de cofre em cofre. Depois de se emprestar dinheiro por um determinado período, quando este é devolvido, o seu valor provavelmente já não será o mesmo. Se eu empresto um Euro – que hoje dará para pagar um café, quase um bolo, um determinado pacote de bolachas –, daqui a um ano, quando esse euro me for devolvido, já não bastará para pagar os mesmos produtos, porque o euro manteve-se estagnado, mas o preço dos produtos não. Será, porventura, esta a explicação do conceito de juros – o sistema de empréstimo funciona com estas palavras: juras e crenças, juros e crédito –, conceito esse que existe há cerca de quatro mil anos, como se pode ler no Código de Hamurabi, da Mesopotâmia (cerca de 1770 a.C). Mas os juros não servem apenas para não perder riqueza com o dinheiro que se empresta, servem também, ou mesmo acima de tudo, para ganhar dinheiro com dinheiro. E aqui encontramos finalmente a nossa palavra. A usura, palavra proibida, mas motor de certas práticas económicas contemporâneas, já foi até considerada um pecado; lembremo-nos da personagem Onzeneiro do Auto da Barca do Inferno, de Gil Vicente, que estava destinado a penar no Inferno devido à taxa de juro usurpadora com que emprestava dinheiro (a onze porcento, claro). A usura, o juro excessivo, usurpador, agiota, é uma figura do capitalismo selvagem – expressão quase pleonástica –, o contrário, portanto, da ideia de uma economia social.
Adenda: Com o troco de um breve lanche, recebi uma moeda que se veio a descobrir falsa. Ora, o valor de uma moeda (ou de uma nota) é uma convenção, tal como uma palavra e o seu significado; a palavra árvore não tem nada que ver com uma árvore real – trata-se do caráter aleatório do signo linguístico. Convencionou-se que, quando nos queremos referir a esse elemento do mundo vegetal dizemos árvore, tree, árbol, arbre, Baum. Uma moeda de um euro não tem o valor intrínseco de um euro – por isso em cima se referiu o valor incaracterístico do dinheiro. Com a moeda falsa, essa convenção perde-se e por isso mesmo fica explícita a ligação puramente teórica de uma moeda ao seu valor de face.
A moeda falsa faz reduzir o seu valor ao que ela é, isto é, ao seu valor material, sem aqueloutro coonvencionado. Ao contrário, a moeda usada na usura tem o seu valor exponenciado, ou seja, mais uma vez, outro valor que não o da face. Num certo sentido, também esta é uma moeda falsa.
UTOPIA
​“Nos mapas as águas são mais serenas que as terras,/ cedendo às terras o perfil das ondas”, escreveu a poeta Elizabeth Bishop num poema de 1946. Utopia quer dizer não lugar, ou lugar que não existe. Thomas More situou essa inexistência numa suposta ilha. Num certo sentido, poderemos dizer que uma ilha é o que a Terra tem de mais próximo do nada – pensemos nas ilhas mais isoladas, vistas no mapa-múndi, com um mar de papel azul, plano e vazio à sua volta. São saliências secas que aparecem no meio da água, umas mais mágicas e inexplicáveis que outras – umas claramente ancoradas num fundo rochoso, outras que parecem apenas boiar. Serão certamente o local indicado para situar uma tal fantasia política, onde os seus habitantes não parecem querer mais do que o que têm. Utopia refere-se sempre a algo que (ainda não) não existe, que não tem lugar, portanto – uma possibilidade, um objectivo, desejo, alternativa; é, pois, um expediente que parece alargar o mundo existente, que faz com que o mundo não se resuma ao que se conhece e acontece, ao que nos rodeia, que nos salva da resignação. A utopia, enfim, configura sempre um possível desvio a um determinado estado de coisas. No entanto, e como escreveu o grande crítico marxista Frederic Jameson, recentemente falecido, “durante a Guerra Fria (e, na Europa Oriental, imediatamente após seu fim), a utopia tornou-se sinónimo de estalinismo e designava um programa que negligenciaria a fragilidade humana e o pecado original, revelando uma vontade de uniformidade e pureza ideal de um sistema perfeito que teria sempre de ser imposto, pela força, a sujeitos imperfeitos e relutantes.” (sublinhado meu) É esta vontade de uniformização, geral e imposta que faz com que uma utopia não deva ser um objectivo claro, mas apenas uma ideia, um ideal – são bem conhecidas as dramáticas tentativas de impor um estado perfeito a uma dada sociedade. A utopia deve limitar-se a ser uma orientação, uma referência, uma ideia inalcançável a priori e a posteriori. Poder-se-ia dizer que utopia está para o espaço como nunca está para o tempo. Retomando as palavras de Jameson, “na melhor das hipóteses, a utopia pode servir o propósito negativo de nos tornar mais cientes do nosso aprisionamento mental e ideológico e que, portanto, as melhores utopias seriam aquelas que fracassam da forma mais completa”, porque uma distopia pode muito bem ser o resultado de uma utopia de alguém.

USURY
The mixer truck cannot stop; it is like the bird in the air or the fish in the water – survival depends on continuous movement. If the bird paralyzes, it falls, if the fish stops, it suffocates, if the truck stops – if the drum stops turning – the cement stagnates in the form of a useless and colossal compact cement cylinder. Money, it is said, cannot stop either; it is the perpetual motion that allows it to maintain its uncharacteristic value. Money moves through purchases, sales and loans, that is, it moves from person to person, from entity to entity, from wallet to wallet, from vault to vault. After lending money for a certain period, when it is returned, its value will probably no longer be the same. If I lend a Euro – which today will be enough to pay for a coffee, almost a cake, a certain packet of biscuits – in a year's time, when that Euro is returned to me, it will no longer be enough to pay for the same products, because the Euro has remained stagnant, but the price of the products has not. This is perhaps the explanation of the concept of interest – the loan system works with these words: vows and beliefs, interest and credit – a concept that has existed for about four thousand years, as can be read in the Code of Hammurabi, from Mesopotamia (about 1770 BC). But interest is not only for not losing wealth with the money you lend, it is useful also, or even above all, to make money with money. And that is how we finally find our word. Usury, a forbidden word, but also the engine of certain contemporary economic practices, has even been considered a sin; let us recall the character Onzeneiro[1] from Gil Vicente's Auto da Barca do Inferno, who was destined to suffer in Hell due to the usurping interest rate with which he lent money (at eleven percent, of course). Usury, the excessive, usurper, profiteer interest, is a figure of savage capitalism – an almost pleonastic expression – the opposite, therefore, of the idea of a social economy.
Addendum: With the change I got when paying for a brief snack, I received a coin that turned out to be counterfeit. Now, the value of a coin (or a note) is a convention, just like a word and its meaning; The word tree has nothing to do with a real tree – it is the random character of the linguistic sign. It has been agreed that when we want to refer to this element of the vegetable world, we say árvore, tree, árbol, arbre, Baum. A one-euro coin does not have the intrinsic value of a euro – that is why the uncharacteristic value of money was mentioned above. With counterfeit currency, this convention is lost, and for this very reason the purely theoretical connection of a currency to its face value is explicit. Counterfeit money reduces its value to what it is, that is, to its material value, without that other stipulated. On the contrary, the currency used in usury has its value exponentiated, that is, once again, another value than that of the face. In a sense, this is also a counterfeit currency.


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[1] Onzeneiro is a noun formed by using the root word onze - eleven in English - followed by the suffix -eiro, that indicates an activity or profession (translator’s note).
UTOPIA
“Mapped waters are more quiet than the land is,/ lending the land their waves' own conformation”, wrote the poet Elizabeth Bishop in a 1946 poem. Utopia means no place, or place that does not exist. Thomas More placed this non-existence on a supposed island. In a sense, we can say that an island is the closest thing to nothing on Earth – think of the most isolated islands, seen on the world map, with a sea of blue, flat and empty paper around them. They are dry protrusions that appear in the middle of the water, some more magical and inexplicable than others – some clearly anchored in a rocky bottom, others that seem to just float. They will certainly be the right place to situate such a political fantasy, where its inhabitants do not seem to want more than what they have. Utopia always refers to something that does not (yet) exist, that has no place, therefore – a possibility, a goal, desire, alternative; It is, therefore, an expedient that seems to enlarge the existing world, that makes the world not be limited to what is known and happens, to what surrounds us, that saves us from resignation. Utopia, ultimately, always configures a possible deviation from a certain state of affairs. However, and as the great Marxist critic Frederic Jameson, recently deceased, wrote, "during the Cold War (and in Eastern Europe immediately after its end), Utopia had become a synonym for Stalinism and had come to designate a program which neglected human frailty and original sin, and betrayed a will to uniformity and the ideal purity of a perfect system that always had to be imposed by force on its imperfect and reluctant subjects."(emphasis added). It is this general and imposed desire for uniformity that implies that a utopia should not be a clear objective, but only an idea, an ideal – the dramatic attempts to impose a perfect state on a given society are well known. Utopia must be limited to being an orientation, a reference, an idea that cannot be attained a priori and a posteriori. It could be said that utopia is to space what never is to time. To return to Jameson's words, "at best Utopia can serve the negative purpose of making us more aware of our mental and ideological imprisonment (...) and that therefore the best Utopias are those that fail the most comprehensively", because a dystopia may well be the result of someone's utopia.

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A B ​C D E F G ​H ​I J L M ​N O P Q R S T U V X Z
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