Eduardo Graça
Presidente da CASES
Presidente of CASES |
ENTREVISTA A EDUARDO GRAÇA
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Este número nº 20 publica-se no dia em que se perfazem dez anos sobre a entrada em vigor da Lei de Bases da Economia Social (Lei 30/2013, de 8 de maio). Aquando da sua publicação esta foi das primeiras leis a recobrir este setor a nível europeu e global, marcando um passo decisivo no reconhecimento legal do setor da economia social. Remato a entrevista que preenche o introito a esta edição afirmando da necessidade de efetuar um debate/balanço critico acerca da concretização dos grandes objetivos que a lei consagra. Pela nossa parte vamos fomentar esse debate em prol da concretização de alguns objetivos que até ao presente, apesar dos grandes progressos efetuados nos últimos dez anos, ainda não foram alcançados.
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O QUE É PARA SI A ECONOMIA SOCIAL?
A Economia Social é a designação adotada pela União Europeia (UE) para recobrir uma realidade que a Constituição da República Portuguesa (CRP) consagra sob a designação de setor cooperativo e social. Noutras latitudes e ordenamentos jurídicos, esta realidade é também designada por “terceiro setor”, “economia solidária” e, mais recentemente, por “economia colaborativa”, “economia circular” … um mundo crescente e surpreendente de designações que mais exigem, sem desprimor pelo debate que suscitam, assumir a que foi adotada na contemporaneidade, após um século de obscuridade, em Portugal. Mesmo o exercício da pedagogia, no que à Economia Social respeita, não é fácil, mas compete-nos, por dever de função e por convicção pessoal, assentar o nosso esforço, na senda de muitos outros responsáveis e ilustres pedagogos como António Sérgio, em insistir, e persistir, na tarefa. O Prof. Rui Namorado, o mais conceituado pensador português em atividade na área da economia social, ensaia uma definição precisa: “Numa primeira aproximação, podemos dizer que a Economia Social é uma expressão que designa um espaço socioeconómico. Um espaço que é primordialmente um conjunto de organizações, mas que abrange também um leque de práticas que o integram apenas em função da sua própria natureza. Umas e outras caracterizadas, quer por não fazerem parte do Estado nem serem protagonizadas por ele, quer por não serem nem guiadas, nem dominadas, nem impregnadas pela lógica capitalista do lucro.”[1] Em termos económicos e sociais, a Economia Social representa uma dimensão não negligenciável, se retivermos que, em alguns agregados, detém um peso relativo superior a determinados sectores privados de atividade económica, em geral considerados de grande dimensão. O Valor Acrescentado Bruto (VAB) da Economia Social, em Portugal, ao representar 3,0 % do VAB nacional (CSES/2016) é, por exemplo, superior ao VAB da Agricultura, Silvicultura e Pescas somados, das telecomunicações e até da energia. No que respeita ao emprego remunerado a Economia Social, representava 6,1 % do Emprego nacional (CSES/2016), superior aos sectores da Saúde, Comércio por grosso, Restauração e similares, indústria do vestuário, Indústrias alimentares…. Todos os indicadores económicos referentes à economia social apresentam significativo crescimento desde 2010 e estima-se que os resultados da Conta Satélite da Economia Social (CSES), com dados de 2020, a apresentar em breve, confirmem este movimento ascendente. Do meu ponto de vista, a grande questão que, na contemporaneidade, se coloca ao setor da Economia Social, é o seu reconhecimento pelos poderes públicos, nas suas diversas instâncias, pelos poderes fácticos e pela comunidade que aspira a comungar de muitos dos seus princípios, valores, serviços e benefícios, mas que mal a distingue dos outros setores da economia (o público e o privado lucrativo). PARECE-LHE QUE A ECONOMIA SOCIAL É UMA ESPÉCIE DE ALTERNATIVA POSSÍVEL À ECONOMIA MOVIDA PELA PROCURA PELO LUCRO? NÃO SE TRATA DE UMA VISÃO UM POUCO INGÉNUA, DADO O MUNDO EM QUE VIVEMOS? Vamos ver se nos entendemos acerca da magna questão do lucro. As entidades da Economia Social, maioritariamente associações, não prosseguem, o objetivo do lucro. Não são sociedades de capital, mas de pessoas. Nalguns subsetores, como o das cooperativas, exige-se para sua constituição capital inicial, mas não se pretende ver remunerado o capital que, neste contexto, é secundário. Não que deixem de ser prosseguidos objetivos de gestão que assegurem a sustentabilidade das entidades, contas equilibradas e, preferencialmente, positivas, dando origem a excedentes. Salvo situações excecionais, devidamente previstas na legislação aplicável, os excedentes retornam em benefício da entidade em cujas atividades foram gerados ou da comunidade. Desde sempre, a realidade da vida das organizações criadas pelos homens para satisfazer as suas necessidades, exigiu a criação de códigos nos quais são estabelecidos os princípios e vertidas as regras que presidem ao relacionamento entre os seus membros. Um dos princípios basilares das entidades da Economia Social, que entronca numa tradição secular, é o do primado das pessoas e dos objetivos sociais. Ingenuidade? Não! Utopia? Sempre! A maioria esmagadora dos dirigentes das organizações da Economia Social não arredam o sonho e, ao mesmo tempo, são realistas na busca de soluções numa partilha cada vez mais intensa com o mercado e o Estado. As ameaças de captura da Economia Social pelo setor privado lucrativo estão sempre presentes, assim como as da dependência do Estado. Por outro lado, o setor privado lucrativo, num movimento de hibridização cada vez mais intenso, busca, para se robustecer perante sociedades de consumidores mais exigentes, princípios e valores próprios da Economia Social. O debate acerca do posicionamento doutrinário e prático da Economia Social face ao capitalismo é fecundo e integra a história do debate de ideias acerca dos modelos de sociedade que se ambicionam tendo em vista o progresso económico e social. Pela minha parte, não creio que a Economia Social se personifique como “alternativa global ao capitalismo”, sem prejuízo das profundas objeções que nutro face às conceções liberais fundadas na busca incessante e impiedosa do lucro e da acumulação de capital. No meu pensamento a Economia Social não se constitui como alternativa global ao capitalismo, mas tão-somente, em simultâneo, como setor complementar, alternativo e critico aos setores público e privado (lucrativo). Como afirma o Prof. Álvaro Garrido “… a polissemia da Economia Social remete para um património que, embora inconstante, a atravessa historicamente e que poderá servir de barreira às ameaças que sobre ela impendem.”[2] A época pós crise financeira de 2008 fez emergir a urgência de um debate revigorado acerca da questão da confluência de valores e princípios oriundos dos três sectores de propriedade dos meios de produção que, estrategicamente, poderão confluir num novo conceito no qual o económico não capturará o social nem o social condicionará o económico. Outro grande desafio é o da intercooperação, ou seja, o de encontrar caminhos que promovam a prática da cooperação no seio do próprio do movimento da Economia Social, aglutinando energias na diversidade, densificando o debate, formando os práticos, entrosando os protagonistas, criando sinergias entre os mundos do saber e do fazer, tendo em vista abrir à renovação de ideários sem perda na fidelidade a valores e princípios distintivos. Os tempos de crise têm estimulado e feito crescer o interesse pela Economia Social, seus princípios e valores, em que avultam os da democracia, da liberdade e da intercooperação. Em Portugal será desejável que prossiga e se aprofunde, sem abrandamento da parte de qualquer dos protagonistas, o trabalho pelo reconhecimento do sector e pelo tema da Economia Social em toda a sua extensão e complexidade. As organizações da Economia Social portuguesas têm de encarar os desafios do futuro de forma positiva, ganhar escala em cada um dos seus subsetores, eficiência e eficácia, adotando uma gestão profissional que lhes permita delinear, com sucesso, estratégias nas quais a questão da sustentabilidade terá um papel cada vez mais relevante. NAS 100 MAIORES COOPERATIVAS, A GRANDE MAIORIA NÃO TEM UMA ÚNICA MULHER NAS SUAS ADMINISTRAÇÕES. PARECE-LHE QUE ESTE CENÁRIO PODERÁ MUDAR NO FUTURO? E PORQUÊ? A questão é pertinente incidindo num tema que tem vindo a ser, recentemente, analisado com detalhe no âmbito dos estudos de natureza estatística incidindo no setor da Economia Social e, em particular, nas cooperativas. No entanto, sublinho que, a partir do Ano Internacional das Cooperativas, assinalado pela ONU em 2012, já haviam sido realizados estudos, em particular, pelo Dr. João Salazar Leite como este que deixo para os interessados. Mais recentemente, em relação à evolução na participação feminina nos órgãos sociais das cooperativas, verifica-se uma evolução positiva. Cada vez mais mulheres têm vindo a assumir responsabilidades nas administrações de cooperativas. Com efeito, segundo dados compilados com recurso ao Portal de Credenciação da CASES, observa-se uma tendência crescente no peso das mulheres no total de órgãos sociais entre 2018 e 2020, tendo aumentado de 23,6% em 2018 para 24,8% em 2020. Dados mais recentes de 2021 apontam para a manutenção desta tendência. Entre 2019 e 2020, e considerando os diferentes órgãos sociais (Assembleias Gerais, Administrações, Conselhos Fiscais e outros), verifica-se um crescimento no número de mulheres em todos eles, com principal destaque para o órgão de Assembleia Geral (+1,6 pp) e o Fiscal (+1 pp). Dados preliminares de 2021 também o comprovam reforçando esta tendência. Por outro lado, estes dados preliminares de 2021 apontam para a existência de pelo menos 40 cooperativas cujos órgãos sociais são 100% compostos por mulheres, em particular cooperativas de Solidariedade Social e Cultura. Observa-se ainda que mais de metade destas foram criadas depois de 2014. De salientar também que, em 2021, quase um quarto das cooperativas analisadas tinham órgãos sociais cujo peso feminino era de 50% ou mais. O panorama, no que respeita à igualdade de género nas cooperativas é, pois, bem menos desanimador do que se pudesse pressagiar, considerados os dados objetivos acerca da sua evolução recente. QUAL A IMPORTÂNCIA REAL DA APROVAÇÃO DA LEI DE BASES DA ECONOMIA SOCIAL? A 8 de maio de 2023 cumprem-se dez anos sobre a data de publicação da Lei de Bases da Economia Social (LBES). Trata-se de uma efeméride relevante para o sector da Economia Social, suas organizações, dirigentes e trabalhadores. A importância da LBES é marcante por preencher, no ordenamento jurídico português, o espaço compreendido entre a Constituição da República, que consagra no seu art.º 82ª o setor cooperativo e social como um dos três setores de propriedade dos meios de produção, a par dos setores público e privado, e a legislação ordinária. A Profª Deolinda Aparício Meira sintetiza, de forma clara e precisa, essa importância consubstanciada no “reconhecimento institucional e jurídico explícito do setor da Economia Social, o que passa fundamentalmente: pela delimitação do âmbito subjetivo dos seus atores (…); pela identificação das formas de organização e representação da Economia Social; pela definição das linhas gerais das políticas de fomento da Economia Social; pela identificação das vias de relacionamento das entidades da Economia Social com os poderes públicos.”[3] A propósito justifica-se dar a conhecer, de forma sintética, para que não esqueça, o percurso de gestação da lei. Em 12 de fevereiro de 2011 a Assembleia da República assistiu à discussão do projeto de lei nº 514/XI que se referia à Lei de Bases de Economia Social. Apresentou-o a deputada Maria José Nogueira Pinto, independente nas listas do Partido Social Democrata (PSD), e foi muito vivo o debate, como o comprova a leitura do Diário da Assembleia da República, I Série, nº 51, de 12 de fevereiro. A iniciativa do PSD foi rejeitada com votos contra de todos os partidos, exceto PSD e CDS/PP. Na mesma altura, o Bloco de Esquerda também apresentou um projeto sobre a mesma matéria, que não chegou a ser agendado para discussão em Plenário. Com o nº 518/XI, deu entrada a 9 de fevereiro, foi admitido a 14 de fevereiro e nessa data baixou para parecer à Comissão de Assuntos Económicos, Inovação e Energia. A relatora Maria Paula Cardoso do PSD, viu o seu parecer votado unanimemente a 15 de março, mas não chegou a subir de novo a Plenário. Pouco mais de uma semana depois, a 24 de março, caía o governo do Partido Socialista (PS), abrindo caminho à realização de eleições, das quais sairia uma maioria absoluta dos partidos que votaram a favor da iniciativa titulada por Nogueira Pinto, que fora a sua última antes de falecer. Estavam assim reunidas as condições para retoma da iniciativa, aliás apresentada como querendo prestar homenagem à falecida deputada. Decorria o mês de setembro de 2011. O Projeto de Lei nº 68/XII [4] deu entrada a 16 de setembro, tendo sido votado a 21 de setembro, com votos a favor do PSD e CDS/PP, a abstenção do PS, e votos contra de 3 deputados socialistas, do PCP, Verdes e Bloco de Esquerda. Baixou de seguida à Comissão, onde viria a “vegetar” por mais de um ano, período que, curiosamente, coincidiu com o Ano Internacional das Cooperativas - 2012. Durante o Ano internacional esperar-se-iam medidas governamentais para as cooperativas e o setor de Economia Social que pudessem proporcionar aos seus atores agir em pé de igualdade com o setor privado em todos os domínios da atividade económica e social. A crise que cobriu todo este período explicará o que não pôde acontecer. As negociações entre grupos parlamentares, as audições dos parceiros e as pressões, terão sido muitas e impossíveis de relatar neste espaço. O objetivo sempre foi o de fazer aprovar a iniciativa, mas quis-se fazê-lo com o maior consenso interpartidário possível. Até então, os grandes textos que sobre cooperativas haviam cruzado o Parlamento tinham sido aprovados unanimemente, e desta vez era ponto de honra que pelo menos isso fosse tentado. Se foi essa a principal razão do atraso da saída do texto da Comissão para subir a voto final no Plenário, então felizmente que se conseguiu manter a tradição. Na fase final do processo tornou-se decisiva a influência do Secretário de Estado Marco António Costa, do CIRIEC e da CASES, que permitiu que a versão final do projeto pudesse ser aprovada, por unanimidade, primeiro na X Comissão da AR, em 13 de março de 2013 e, após essa aprovação, a votação final global no plenário da AR que viria a consumar-se no dia 15 de março de 2013, cerca das 12,30 horas, igualmente por unanimidade. A Lei de Bases da Economia Social obteve, pois, a unanimidade em todas as instâncias parlamentares o que lhe confere assinalável prestígio institucional e robustez política. Justifica-se e recomenda-se, passados dez anos, efetuar um debate/balanço critico acerca da concretização dos grandes objetivos que consagrou. NOTAS [1] Rui Namorado, in “O que é a Economia Social?”, Economia Social em textos, 2017. [2] Álvaro Garrido, in “DE ONDE VEM A ECONOMIA SOCIAL”, intervenção aquando da apresentação da CSES/2026. [3] Deolinda Aparício Meira in “ A Lei de Bases da Economia Social portuguesa : do projeto ao texto final” – CIRIEC Espanha – Revista Jurídica nº 24/2013. http://ciriec-revistajuridica.es/wp-content/uploads/024-002.pdf [4] In artigo “PROJETO DE LEI N.º 68/XII, relativo à Lei de Bases da Economia Social Portuguesa”, Prof. ª Deolinda Aparício Meira. |
This issue no. 20 is published on the day that marks ten years since the entry into force of the Framework Law for the Social Economy (Law 30/2013, of 8 May). At the time of its publication, this was one of the first laws to cover this sector at a European and global level, marking a decisive step in the legal recognition of the social economy sector. I reiterate the interview that fills the introduction to this edition, stating the need to carry out a debate/critical balance regarding the achievement of the major objectives enshrined in the law. For our part, we shall foster this debate in favour of the achievement of some objectives which, to date, despite the great progress made in the last ten years, have still not been achieved.
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WHAT IS THE SOCIAL ECONOMY FOR YOU?
The Social Economy is the designation adopted by the European Union (EU) to cover a reality that the Constitution of the Portuguese Republic (CRP) enshrines under the designation of cooperative and social sector. In other latitudes and legal systems, this reality is also called “third sector”, “solidarity economy” and, more recently, “collaborative economy”, “circular economy”... a growing and surprising world of designations that require, without disregarding the debate they raise, to assume the one that was adopted at the present time, after a century of obscurity, in Portugal. Even the exercise of pedagogy, as far as the Social Economy is concerned, is not easy, but it is up to us, by duty and personal conviction, to base our efforts, in the footsteps of many other responsible and illustrious pedagogues such as António Sérgio, in insisting and persisting in the task. Prof. Rui Namorado, the most respected Portuguese thinker active in the area of the social economy, tries out a precise definition: "In a first approach, we can say that the Social Economy is an expression that designates a socioeconomic space. A space that is primarily a set of organisations but which also encompasses a range of practices that are part of it only according to their own nature. They are characterised either by not being part of the State or featured by it, or by not being guided, dominated or impregnated by the capitalist logic of profit."[1] In economic and social terms, the Social Economy represents a non-negligible dimension if we bear in mind that in some aggregates it has a greater relative weight than certain private sectors of economic activity, generally considered large scale. The Gross Value Added (GVA) of the Social Economy in Portugal, representing 3.0% of the national GVA (CSES/2016) is, for example, greater than the GVA of Agriculture, Forestry and Fishing combined, telecommunications and even energy. With regard to paid employment, the Social Economy represented 6.1% of national employment (CSES/2016), which is higher than the sectors of Health, Wholesale Trade, Restaurants and Similar, Clothing Industry, Food Industries… All economic indicators referring to the social economy show significant growth since 2010 and it is estimated that the results of the Satellite Account of the Social Economy (CSES), with data from 2019/2010, to be presented soon, will confirm this upward movement. From my point of view, the big question that the Social Economy sector faces today is its recognition by the public powers, in their various instances, by the factual powers and by the community that aspires to share many of its principles, values, services and benefits, but which barely distinguishes it from the other sectors of the economy (the public and the private for-profit sectors). DOES IT SEEM TO YOU THAT THE SOCIAL ECONOMY IS SOME KIND OF POSSIBLE ALTERNATIVE TO THE PROFIT-DRIVEN ECONOMY? ISN'T THIS A RATHER NAÏVE VIEW, GIVEN THE WORLD WE LIVE IN? Let's see if we see eye to eye on the great question of profit. Social Economy entities, mostly associations, do not pursue the goal of profit. They are not enterprises of capital but of persons. In some subsectors, such as the cooperatives, initial capital is required for their constitution but there is no intention of seeing the capital remunerated, which, in this context, is secondary. Not that the management objectives that ensure the sustainability of the entities, balanced and preferably positive accounts, giving rise to surpluses, are not pursued. Except in exceptional situations, duly provided for in applicable legislation, the surpluses return for the benefit of the entity in which activities they were generated or of the community. The reality of the life of organisations created by men to satisfy their needs has always required the creation of codes in which the principles and rules governing the relationship between their members are established. One of the basic principles of Social Economy entities, which stems from a centuries-old tradition, is that of the primacy of people and social objectives. Naiveté? No! Utopia? Always! The overwhelming majority of the leaders of Social Economy organisations do not shy away from the dream and at the same time are realistic in their search for solutions in an increasingly intense sharing with the market and the State. The threats of capture of the Social Economy by the private for-profit sector are always present, as well as the threats of dependence on the State. On the other hand, the private for-profit sector, in an increasingly intense hybridisation movement, seeks, in order to strengthen itself in the face of more demanding consumer societies, principles and values proper to the Social Economy. The debate on the doctrinal and practical positioning of the Social Economy vis-à-vis capitalism is fertile and is part of the history of the debate on the models of society that are aspired to, with a view to economic and social progress. For my part, I do not believe that the Social Economy embodies itself as a “global alternative to capitalism”, without prejudice to the profound objections I have to liberal conceptions based on the incessant and merciless search for profit and capital accumulation. In my opinion, the Social Economy is not a global alternative to capitalism, but rather a complementary, alternative and critical sector to the public and private (for-profit) sectors. As Prof. Álvaro Garrido states “... the polysemy of the Social Economy refers to a heritage that, although inconstant, runs through it historically and may serve as a barrier to the threats that it faces.”[2] The post-2008 financial crisis period has given rise to the urgency of a reinvigorated debate on the issue of the confluence of values and principles from the three sectors of ownership of the means of production which, strategically, may come together in a new concept in which the economic does not capture the social and the social does not condition the economic. Another great challenge is that of inter-cooperation, that is, finding ways which promote the practice of cooperation within the Social Economy movement itself, pooling energies in diversity, densifying the debate, training the practitioners, bringing together the protagonists, creating synergies between the worlds of knowing and doing, with a view to opening up the renewal of ideals without losing loyalty to distinctive values and principles. The times of crisis have stimulated and increased the interest in the Social Economy, its principles and values, in which democracy, freedom and inter-cooperation stand out. In Portugal it would be desirable that the work for the recognition of the sector and for the theme of Social Economy in all its extension and complexity, continues and deepens, without any slowing down on the part of any of the protagonists. Portuguese Social Economy organisations have to face the challenges of the future in a positive way, gaining scale in each of their subsectors, efficiency and effectiveness, adopting a professional management that allows them to successfully outline strategies in which the issue of sustainability will play an increasingly relevant role. IN THE 100 LARGEST COOPERATIVES, THE VAST MAJORITY DO NOT HAVE A SINGLE WOMAN ON THEIR BOARDS. DO YOU THINK THIS SCENARIO COULD CHANGE IN THE FUTURE? AND WHY? The question is pertinent as it relates to a subject that has recently been analysed in detail within the scope of statistical studies focusing on the Social Economy sector and, in particular, on cooperatives. However, I would like to stress that, since the International Year of Cooperatives, marked by the UN in 2012, studies have already been carried out, particularly by Dr. João Salazar Leite, such as this one that I am leaving for those interested. More recently, in relation to the evolution in women's participation in the governing bodies of cooperatives, there has been a positive evolution. More and more women have been taking on responsibilities in the boards of cooperatives. In fact, according to data compiled using the CASES Accreditation Portal, there is an increasing trend in the weight of women in the total governing bodies between 2018 and 2020, having increased from 23.6% in 2018 to 24.8% in 2020. More recent data for 2021 point to the continuation of this trend. Between 2019 and 2020, and considering the different governing bodies (General Meetings, Boards, Supervisory Boards and others), there is an increase in the number of women in all of them, with the main highlight being the General Meeting (+1.6 pp) and the Supervisory Board (+1 pp). Preliminary data for 2021 also prove this, reinforcing this trend. On the other hand, these preliminary data for 2021 point to the existence of at least 40 cooperatives which governing bodies are 100% composed of women, in particular Social Solidarity and Culture cooperatives. It is also noted that more than half of these were created after 2014. It should also be noted that in 2021, almost a quarter of the cooperatives analysed had governing bodies with 50% or more women. The panorama with regard to gender equality in cooperatives is, therefore, much less discouraging than one might presume, considering the objective data on its recent evolution. WHAT IS THE REAL IMPORTANCE OF THE APPROVAL OF THE FRAMEWORK LAW FOR THE SOCIAL ECONOMY? On 8 May 2023 it will be ten years since the publication of the Framework Law for the Social Economy (LBES). This is a relevant anniversary for the Social Economy sector, its organisations, leaders and workers. The importance of the LBES is remarkable because it fills, in the Portuguese legal system, the space between the Constitution of the Republic, which enshrines in its Article 82 the cooperative and social sector as one of the three sectors of ownership of the means of production, alongside the public and private sectors, and the ordinary legislation. Prof. Deolinda Aparício Meira clearly and precisely summarises this importance, which is embodied in the “explicit institutional and legal recognition of the Social Economy sector, which fundamentally passes through: the delimitation of the subjective scope of its actors (...); the identification of the forms of organisation and representation of the Social Economy; the definition of the general lines of the policies to foster the Social Economy; the identification of the means of relationship between Social Economy entities and public authorities”[3]. In this regard, it is justifiable to briefly describe, so as not to forget, the path of the law's gestation. On 12 February 2011, the Portuguese Assembly attended the discussion of bill no. 514/XI, which referred to the Framework Law for the Social Economy. Deputy Maria José Nogueira Pinto, independent in the lists of the Partido Social Democrata (Social Democratic Party - PSD), presented it and the debate was very lively, as proven by the reading of the Assembly of the Republic Gazette, 1st Series, no. 51, of 12 February. The PSD initiative was rejected with all parties except PSD and CDS/PP voting against it. At the same time, Bloco de Esquerda (Left Bloc) also presented a project on the same subject, which was not scheduled for discussion in plenary. With the no. 518/XI, it was received on 9 February, admitted on 14 February and on that date went down for opinion to the Committee of Economic Affairs, Innovation and Energy. The rapporteur, Maria Paula Cardoso of PSD, saw her opinion unanimously voted on 15 March, but it was not brought back to plenary. A little over a week later, on 24 March, the Partido Socialista (Socialist Party - PS) government fell, opening the way for elections to be held, from which an absolute majority of the parties that voted in favour of the initiative headed by Nogueira Pinto would emerge. The conditions were therefore in place for the resumption of the initiative, which was presented as a tribute to the late deputy. It was September 2011. Bill no. 68/XII [4] was introduced on 16 September and voted on 21 September, with votes in favour by PSD and CDS/PP, abstention by PS, and votes against by three socialist deputies, PCP, Verdes and the Bloco de Esquerda. It then went back to committee, where it would “vegetate” for more than a year, a period that curiously coincided with the International Year of Cooperatives - 2012. During the International Year, one would have expected government measures for cooperatives and the Social Economy sector that could have enabled its actors to act on an equal footing with the private sector in all fields of economic and social activity. The crisis that covered this whole period will explain what could not happen. The negotiations between parliamentary groups, the hearings of partners and the pressures will have been many and impossible to report in this space. The aim has always been to push through the initiative, but we wanted to do so with the greatest possible cross-party consensus. Until then, the major texts on cooperatives that had passed through Parliament had been adopted unanimously, and this time it was a point of honour that at least that was attempted. If this was the main reason for the delay in the text leaving the Committee for the final vote in plenary, then fortunately the tradition has been maintained. In the final phase of the process, the influence of Secretary of State Marco António Costa, CIRIEC and CASES became decisive, enabling the final version of the bill to be unanimously approved, first in the 10th Committee of the Assembly of the Republic on 13 March 2013 and, following this approval, the final overall vote in the plenary session of the Assembly of the Republic, which was held on 15 March 2013, around 12.30 pm, also unanimously. The Framework Law for the Social Economy was therefore unanimously approved by all parliamentary bodies, giving it remarkable institutional prestige and political strength. It is both justified and recommended that after ten years, a critical debate/balance be carried out on the achievement of the major objectives it enshrined. NOTES [1] Rui Namorado, in “O que é a Economia Social?”, Economia Social em textos, 2017. [2] Álvaro Garrido, in “DE ONDE VEM A ECONOMIA SOCIAL”, intervenção aquando da apresentação da CSES/2026. [3] Deolinda Aparício Meira in “ A Lei de Bases da Economia Social portuguesa : do projeto ao texto final” – CIRIEC Espanha – Revista Jurídica nº 24/2013. http://ciriec-revistajuridica.es/wp-content/uploads/024-002.pdf [4] In article "“PROJETO DE LEI N.º 68/XII, relativo à Lei de Bases da Economia Social Portuguesa”, Prof. ª Deolinda Aparício Meira. |