EDUARDO GRAÇA
Presidente da CASES com Ana Luísa Pereira e Eduardo Pedroso |
Foi publicado no número anterior desta revista um texto, para memória futura, acerca da modernização institucional da Economia Social em Portugal, concebida e concretizada nos últimos 15 anos. Uma das instituições referidas nessa abordagem é a Cooperativa António Sérgio para a Economia Social (CASES), que retomo para uma breve reflexão acerca do seu caráter inovador.
Entre 2008 e 2009 (em plena crise financeira) o governo decidiu extinguir o INSCOOP – Instituto Público, criado no dealbar do 25 de abril de 1974, sucedendo-lhe a Cooperativa António Sérgio para a Economia Social (CASES), cooperativa de interesse público, que absorveu as suas atribuições no âmbito do setor cooperativo, alargando-as, simultaneamente, ao setor da Economia Social e, posteriormente, ao Voluntariado. Onde está a inovação? A meu ver, no modelo jurídico e operacional adotado pelo Estado, assumindo, plenamente, a parceria com entidades privadas representativas do setor da Economia Social. No caso, o Estado partilha o capital social (maioritariamente público) bem como os órgãos sociais – Direção e Assembleia Geral –, sendo o Conselho Fiscal constituído exclusivamente por representantes das entidades privadas. Mas não existem outras cooperativas de interesse público? Em artigo publicado neste número, da autoria de Eduardo Pedroso, aponta-se para a existência de 30 cooperativas de interesse público em atividade, mas a CASES é a única criada por impulso do Estado central, sendo que nas restantes a participação pública é predominantemente municipal. Tendo-lhe sido cometidas, entre outras, atribuições de autoridade de Estado nas áreas do cooperativismo (herança plenamente assumida do INSCOOP) e do Voluntariado, o Estado dispõe da maioria do capital e de um representante na Assembleia Geral, e os órgãos sociais são híbridos, compostos por membros nomeados pelo Governo (Direção) e eleitos pela Assembleia Geral. Do ponto de vista operacional, o modelo híbrido adotado na CASES exige uma permanente interação entre o Estado e os parceiros privados (entidades confederais da Economia Social), salvaguardando decisões mutuamente acordadas num contexto de prudente distância do Estado, na esfera executiva, assumindo-se, plenamente, como organismo autónomo. Estamos perante um caso de inovação institucional com impacto no desenho das políticas públicas para o setor da Economia Social ainda em desenvolvimento. A máquina da administração pública é, por natureza, conservadora, exigindo a aplicação de uma força desproporcional para viabilizar mudanças organizacionais que se afirmem, sejam reconhecidas e perdurem no tempo. A perdurabilidade do projeto inovador da CASES é assinalável e pode ser ilustrado pelas 711 reuniões de Direção, 43 da Assembleia Geral e 40 do Conselho Fiscal realizadas até final de agosto de 2024, todas elas com a participação ativa dos membros não públicos eleitos. Conheço, por dentro, os meandros do processo de criação e afirmação da CASES e, passados 15 anos, mantendo um perfil de “equipa de projeto”, proativa no âmbito do cumprimento das suas atribuições, ultrapassados obstáculos e desconfianças, tornou-se uma instituição inovadora, para fora mas também para dentro, mais do que tolerada, aceite, num universo no qual escasseiam, apesar de algumas vozes luminosas, como a de Filipe Almeida, a reflexão e a prática da inovação. É difícil escrever acerca do futuro, mas estimo que esta experiência inovadora se consolide, persista e se desenvolva, buscando novas parcerias, abraçando e apoiando a inovação em todos os domínios, projetando as realidades pujantes da Economia Social e do Voluntariado. A inovação institucional que a CASES representa não é uma fantasia mas a aplicação de uma ideia, alicerçada em legislação consagrada (e carente de reforma), tendo em vista estruturar, de forma duradoura, a relação do Estado com o setor da Economia Social. Como soe dizer-se, o caminho faz-se caminhando, agregando vontades e saberes na diferença, acrescentando valor naquela subtil margem que torna as diferenças impulso para a mudança. Na interceção das ideias, vontades e interesses, sempre presentes na vida das organizações, são as pessoas que nelas têm uma palavra a dizer, que as moldam e lhes dão caráter. As equipas dirigentes da CASES, com suas diferentes sensibilidades pessoais, sempre se posicionaram a favor da inovação. Assim, foi possível encetar e desenvolver, à medida da capacidade instalada, alguns projetos inovadores dos quais sublinho, entre outros, o piloto da “semana de 4 dias”, a Conta Satélite da Economia Social (CSES) e a conceção de uma proposta de enquadramento legal para a Empresa Social. Parece intuitivo que as organizações concebidas, estruturadas e geridas de forma inovadora estejam mais capacitadas para arriscar assumir projetos inovadores. O primeiro que enunciei resulta, em concreto, da adesão da CASES ao “programa piloto da semana de 4 dias” (S4D) que decorreu, em dois semestres consecutivos, entre junho de 2023 e final de maio de 2024. A CASES foi a única organização do perímetro das administrações públicas, embora organismo autónomo, que participou neste programa piloto. Uma experiência ousada que coloca, no centro da reflexão, a questão da organização do tempo de trabalho, uma questão que anuncia desenvolvimentos relevantes no futuro. Neste contexto, foi possível trabalhar, ao longo de um ano, quatro dias por semana em regime híbrido (dois dias de trabalho presencial e dois dias em teletrabalho), 8 horas por dia, com manutenção das condições remuneratórias. Garantiu-se o normal funcionamento e capacidade de resposta da CASES a solicitações internas e externas, através de uma alternância programada das equipas (trabalho em “espelho”), sem nunca descurar, através de trabalho presencial simultâneo para todos, o contacto funcional e a coesão institucional que se desejava manter, e até reforçar. A avaliação sobre a aplicação da S4D na CASES ainda carece de robustecimento, mas aponta para o expetável acréscimo de satisfação dos trabalhadores, sem perda de produtividade. Aguarda-se, agora, pelo acesso a conhecimento científico ainda em produção levado a cabo pela Academia com quem a CASES tem ativamente colaborado enquanto objeto de estudo, atentas as suas particularidades, e a pouca ou nenhuma expressão, até ao momento, da S4D nas Entidades da Economia Social (EES). Destas sinergias e da avaliação a concluir, resultará uma reflexão futura sobre o planeamento dos tempos laborais, antecipando-se como possíveis novos olhares e visões alternativas sobre a organização do trabalho, com eventuais efeitos multiplicadores potencialmente muito positivos para trabalhadores, para as EES, e para a própria sociedade. Existe, pois, a expectativa de que prossiga, e não se dê como encerrado, um caminho visionário de criação de condições para maior conciliação entre as esferas pessoal e laboral, maior motivação dos trabalhadores, maior produtividade, menor absentismo, maior retenção e atratividade dos Recursos Humanos, e para o cumprimento de diversos ODS (Objetivos de Desenvolvimento Sustentável), particularmente aqueles relacionados com as condições de trabalho digno, a saúde, a igualdade de género e de oportunidades, o crescimento económico e a proteção climática, para os quais o setor da Economia Social deve contribuir. Outro projeto que enuncio, a Conta Satélite (CSES), incide na organização e disponibilização de informação estruturada de base estatística, realizada em parceria com o Instituto Nacional de Estatística (INE), e Entidades da Economia Social, relevante para a promoção de políticas públicas e o autoconhecimento e reconhecimento do setor. Foi recentemente subscrito o protocolo entre a CASES e o INE que enquadra a realização da quinta CSES, com base em dados de 2023, que consagrará uma série estatística que abrange um período de 13 anos. Assinalo que em nenhum outro país da UE existe um instrumento estatístico de base nacional com esta complexidade e maturidade. O terceiro respeita à elaboração de um projeto de estatuto de Empresa Social, figura jurídica que está presente, sob diversas formas, em pelo menos 18 países da União Europeia, mas ausente na legislação nacional. Pese embora este assunto tenha merecido a atenção da CASES desde a sua conceção, tendo inclusivamente sido discutido no âmbito do desenho da Lei de Bases da Economia Social, a figura da Empresa Social ganhou redobrada atenção nos últimos anos, sobretudo em contexto Europeu, onde tem vindo a ser persistentemente abordada por parte das instituições da UE, cada vez mais focadas neste ecossistema e no seu desenvolvimento, designadamente através de financiamento. Tornou-se assim cada vez mais relevante analisar a possibilidade e necessidade de prever a criação da figura da Empresa Social em Portugal, pelo que, em 2021, antecedendo o Plano de Ação para a Economia Social da Comissão Europeia lançado nesse ano, a CASES criou um grupo de trabalho interno com o objetivo de estudar este tema. Desta primeira abordagem resultou o “Estudo introdutório sobre a figura da empresa social”, que procurou clarificar o conceito e perceber como o mesmo poder-se-ia aplicar à realidade nacional, quer no plano do enquadramento jurídico, quer em termos práticos e operacionais. Procurando desenvolver ainda mais este estudo e promover o debate público sobre o tema, a CASES organizou em 2022 uma conferência internacional em Coimbra – A Empresa Social, que futuro? –, contando com a participação de 131 pessoas, em formato presencial e à distância, incluindo diversos oradores internacionais que deram os seus contributos e partilharam experiências nacionais e europeias sobre a Empresa Social. Seguiram-se diversos eventos nacionais e internacionais sobre a Empresa Social que contaram com a participação da CASES, bem como discussões com diferentes intervenientes, incluindo a EMPIS (Estrutura de Missão Portugal Inovação Social) e a CPES (Confederação Portuguesa de Economia Social), para a co-construção de uma proposta de linhas orientadoras para a criação da figura de Empresa Social. Esta proposta foi apresentada ao Governo, pretendendo-se agora trabalhá-la em debate alargado com as partes interessadas. Atentas as diferentes experiências conceptuais e legislativas associadas à Empresa Social, são nitidamente plurais as abordagens que poderão vir a ser adotadas. Contudo, os trabalhos desenvolvidos permitiram reunir, numa ótica colaborativa que tem marcado o ADN da CASES, os contributos de diferentes intervenientes no setor da Economia Social para a densificação dos elementos que consideramos fundamentais para dar os primeiros passos na introdução legal desta figura em Portugal. A CASES pretende desta maneira continuar a contribuir para a afirmação em Portugal de diferentes formas organizativas que articulam dimensões tão complexas como inovadoras no campo da Economia Social. Em todas as iniciativas, projetos e ações, o modelo inovador da CASES, nos planos jurídico e organizacional, assente na gestão partilhada entre setores, e entidades, incentiva e favorece a inovação. |
A text was published in the previous issue of this journal, for future memory, about the institutional modernization of Social Economy in Portugal, conceived and implemented in the last 15 years. One of the institutions mentioned in that approach was the Cooperative António Sérgio for Social Economy (CASES), which I return to for a brief reflection on its innovative character.
Between 2008 and 2009 (in the midst of the financial crisis) the government decided to extinguish INSCOOP – Public Institute, created at the dawn of April 25, 1974, succeeding it by the Cooperative António Sérgio for Social Economy (CASES), a cooperative of public interest, which absorbed its attributions within the scope of the cooperative sector, extending them, simultaneously, to the Social Economy sector and, later, to Volunteering. Where is the innovation? In my view, in the legal and operational model adopted by the State, fully assuming the partnership with private entities representing the Social Economy sector. In this case, the State shares the share capital (mostly public) as well as the governing bodies – Board and General Assembly – and the Supervisory Board is made up exclusively of representatives of the private sector. But aren't there other cooperatives of public interest? In an article published in this issue, by Eduardo Pedroso, it is pointed out that there are 30 cooperatives of public interest in activity, but CASES is the only one created by the impulse of the central State, and in the others public participation is predominantly municipal. Having been entrusted, among others, with attributions of State authority in the areas of cooperativism (a fully assumed inheritance from INSCOOP) and Volunteering, the State has most of the capital and a representative in the General Assembly, and the governing bodies are hybrid, composed of members appointed by the Government (Board) and elected by the General Assembly. From an operational point of view, the hybrid model adopted in CASES requires permanent interaction between the State and private partners (confederal entities of Social Economy), safeguarding mutually agreed decisions in a context of prudent distance from the State, in the executive sphere, fully assuming itself as an autonomous body. We are facing a case of institutional innovation with an impact on the design of public policies for the Social Economy sector still under development. The public administration machine is, by nature, conservative, requiring the application of a disproportionate force to enable organizational changes to be affirmed, recognized and that can endure over time. The durability of CASES' innovative project is remarkable and can be illustrated by the 711 board meetings, 43 General Assembly meetings and 40 Supervisory Board meetings held by the end of August 2024, all of them with the active participation of the elected non-public members. I know, from the inside, the intricacies of the process of creation and affirmation of CASES and, after 15 years, maintaining a profile of a "project team", proactive in the fulfilment of its attributions, overcoming obstacles and mistrust, it has become an innovative institution, outwardly but also inwardly, more than tolerated, accepted, in a universe in which, despite some luminous voices such as Filipe Almeida, there is a lack of reflection and practice of innovation. It is difficult to write about the future, but I believe that this innovative experience will be consolidated, persisted and developed, seeking new partnerships, embracing and supporting innovation in all domains, projecting the thriving realities of Social Economy and Volunteering. The institutional innovation that CASES represents is not a fantasy, but the application of an idea, based on established legislation (and in need of reform), with a view to structuring, in a lasting way, the relationship between the State and the Social Economy sector. As the saying goes, the path is made by walking, bringing together desires and knowledge in difference, adding value to that subtle margin that turns differences into an impetus for change. At the intersection of ideas, wills and interests, always present in the life of organizations, it is the people who have a say in them, who shape them and give them character. CASES' management teams, with their different personal sensibilities, have always positioned themselves in favour of innovation. Thus, it was possible to initiate and develop, as the installed capacity allowed, some innovative projects, of which I highlight, among others, the pilot of the "4-day week", the Social Economy Satellite Account (SESA) and the design of a proposal for a legal framework for Social Enterprise. It seems intuitive that organizations that are designed, structured, and managed in an innovative way are better able to risk on innovative projects. The first one I have mentioned results, specifically, from CASES' adherence to the "4-day week pilot program" (4DW) that took place, in two consecutive semesters, between June 2023 and the end of May 2024. CASES was the only organisation in the perimeter of public administrations, although an autonomous body, that participated in this pilot programme. A daring experiment that places at the centre of the reflection the question of the organization of working time, an issue that heralds relevant developments in the future. In this context, it was possible to work, over the course of a year, four days a week in a hybrid regime (two days of face-to-face work and two days of telework), 8 hours a day, with maintenance of remuneration conditions. The normal functioning and responsiveness of CASES to internal and external requests was guaranteed, through a programmed alternation of teams (mirror work), without ever neglecting, through simultaneous face-to-face work for all, the functional contact and institutional cohesion that was intended to be maintained, and even reinforced. The evaluation of the application of 4DW at CASES still lacks strength, but points to the expected increase in employee satisfaction, without loss of productivity. We are now waiting for access to scientific knowledge still in production carried out by the Academy with whom CASES has actively collaborated as an object of study, given its particularities, and the little or no expression, so far, of 4DW in Social Economy Entities (SEE). From these synergies and the evaluation to be concluded, a future reflection on the planning of working time will result, anticipating as possible new perspectives and alternative visions on the organization of work, with possible potentially very positive multiplier effects for workers, for the SEE, and for society itself. There is, therefore, the expectation that it will continue, and not be closed, a visionary path of creating conditions for greater reconciliation between the personal and work spheres, greater employee motivation, greater productivity, lower absenteeism, greater retention and attractiveness of Human Resources, and for the fulfilment of several SDGs (Sustainable Development Goals), particularly those related to decent work conditions, health, gender equality and opportunities, economic growth and climate protection, to which the Social Economy sector should contribute. Another project that I mention, the Satellite Account (SESA), focuses on the organization and availability of structured statistical information, carried out in partnership with the National Statistics Office (INE), and Social Economy Entities, relevant for the promotion of public policies and the self-knowledge and recognition of the sector. A protocol between CASES and INE that frames the development of the fifth SESA was recently signed, based on data from 2023, which will enshrine a statistical series covering a period of 13 years. I would point out that in no other EU country is there a nationally based statistical instrument of this complexity and maturity. The third concerns the preparation of a draft statute for Social Enterprises, a legal figure that is present, in various forms, in at least 18 countries of the European Union, but absent in national legislation. Although this subject has deserved the attention of CASES since its inception, having even been discussed within the scope of the design of the Basic Law of Social Economy, the figure of the Social Enterprise has gained increased attention in recent years, especially in the European context, where it has been persistently addressed by the EU institutions, increasingly focused on this ecosystem and its development, namely through funding. It has thus become increasingly relevant to analyse the possibility and need to foresee the creation of the figure of Social Enterprise in Portugal, so in 2021, prior to the European Commission's Social Economy Action Plan that was launched that year, CASES created an internal working group with the aim of studying this topic. From this first approach resulted the "Introductory Study on the figure of the social enterprise", which sought to clarify the concept and understand how it could be applied to the national reality, both in terms of the legal framework and in practical and operational terms. Seeking to further develop this study and promote public debate on the subject, CASES organized in 2022 an international conference in Coimbra– The Social Enterprise, what future? – with the participation of 131 people, in person and remotely, including several international speakers who gave their contributions and shared national and European experiences on Social Enterprises. This was followed by several national and international events on Social Enterprises with the participation of CASES, as well as discussions with different stakeholders, including EMPIS (Portugal Social Innovation Mission Unit) and CPES (Portuguese Confederation of Social Economy), for the co-construction of a proposal for guidelines for the creation of the figure of Social Enterprise. This proposal was presented to the Government, and it is now intended to work on it in a broad debate with stakeholders. Given the different conceptual and legislative experiences associated with Social Enterprises, the approaches that may be adopted are clearly plural. However, the work carried out made it possible to bring together, in a collaborative perspective that has marked the DNA of CASES, the contributions of different actors in the Social Economy sector for the densification of the elements that we consider fundamental to take the first steps in the legal introduction of this figure in Portugal. In this way, CASES intends to continue to contribute to the affirmation in Portugal of different organizational forms that articulate dimensions as complex as they are innovative in the field of Social Economy. In all initiatives, projects and actions, CASES' innovative model, at the legal and organizational levels, based on shared management between sectors and entities, encourages and favours innovation. |