Marco Domingues
Presidente da Associação Portuguesa para o Desenvolvimento Local (Animar)
Docente da Escola Superior de Educação de Castelo Branco President of Animar Teacher at the Castelo Branco School of Education |
DESENVOLVIMENTO LOCAL
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A história recente do desenvolvimento local encontra especial relevância social pelo atual momento pandémico em que nos encontramos. A SARS COVID19 é uma pandemia à escala global que exige intervenção local de base comunitária e que recupera e valoriza o “peso” do desenvolvimento local. Se o slogan “pensar global, agir local” foi arrolado à procura da sustentabilidade da humanidade, a SARS COVID19, vem consolidar o “agir local para sustentar o global”, em matéria de prevenção, planeamento e ação na procura da atenuação da pandemia e dos seus efeitos. Destaca-se, que a pandemia agravou os problemas sociais, condicionou a ação pública, empresarial e da sociedade civil, mas em simultâneo, reforçou a preponderância do setor da economia social que continua a afirmar-se pela sua pertinência em situações de crise.
Se o contexto pandémico é um problema de saúde pública, as “crises” são um problema de “humanidade no desenvolvimento”. Recupero as palavras do grande cineasta britânico, Charles Chaplin, que na sua sabedoria e sátira social num contexto de crise da humanidade associado à II Guerra Mundial, se referiu à humanidade, como uma aprendizagem da sociedade, nas suas boas e más paixões, mas distante do “mundo natural”. Se os dados científicos apontam para que a pandemia resulte do “mundo natural”, as crises por outro lado, resultam de um paradoxo da ação humana, em que por um lado, somos os responsáveis e conscientes pelas suas origens, e por outro, os responsáveis da procura de soluções para recuperar das crises geradas pela nossa ação. As crises são agora o resultado de interdependências globais e de decisões que colocam o interesse do crescimento económico e dos seus principais interessados, acima do interesse das pessoas, da biodiversidade e do nosso planeta, a que o Papa Francisco simbolicamente atribui de “casa comum”. Reforçando a ideia anterior, as crises (económica, petrolífera, ecológica…) resultam do modelo de desenvolvimento que favorece o crescimento económico e que resulta de decisões de “uns poucos para tantos”, e onde naturalmente “os tantos”, permanecem excluídos dos benefícios dessas mesmas decisões. É aqui que surge a relevância do movimento do desenvolvimento local, designadamente, aquele que é defendido pela Associação Portuguesa para o Desenvolvimento Local – Animar. Inverter o processo de tomada de decisão, é assim, um desígnio do movimento que congrega a diversidade de naturezas jurídicas pelas quais as entidades do setor da economia social se constituem. Mas porque a Animar defende um ADN que é construído na “diversidade”, reconhecendo que o seu entendimento político e governamental será de maior incompreensão? Em primeiro, porque o movimento do Desenvolvimento Local entendido pela Animar, é integrado, interdependente, não sectorizado e responde a diferentes necessidades sentidas pelas comunidades. Apresenta-se motivado por servir as pessoas e suas causas através das instituições formais, informais e não formais que o constituem. É no princípio da coerência entre a causa e a importância do processo, que o movimento do desenvolvimento local se constrói. Em segundo, porque a “diversidade” valorizada pela Animar é entendida enquanto pedagogia para a compreensão da diferença, para a prevenção de fronteiras (visíveis e invisíveis) e um mecanismo que gera aprendizagens e inovação, resultantes da prática e da experiência, da ciência e da teoria, e das emoções e das relações. Por último, a valorização e afirmação do movimento formal no setor da economia social, não exclui a informalidade e a não formalidade, não exclui outras formas de organização e de reivindicação. É neste contexto que o movimento se tem afirmado e assumido agendas para além do setor onde se insere, apresentando novas tendências de intervenção, e que mais tarde se consolidam em políticas públicas e respetivas novas respostas sociais, tal como, em novos modelos de governança e na assunção de novas causas contribuindo assim para uma maior coesão social e bem-estar das comunidades. A PANDEMIA E O PAPEL DO DESENVOLVIMENTO LOCAL O contexto pandémico naturalmente agudizou os problemas sociais e as desigualdades sociais, o que exigiu um repensar e replanear da ação nas comunidades, algo a que o desenvolvimento local está extremamente habilitado por cinco “capacidades” que iremos aprofundar. A primeira capacidade apresenta-se como a criatividade associada à inovação social que se encontra inerentemente ligada a um pensar “fora da caixa”, que contribui para respostas que surgem da comunidade, nas relações que se criam entre instituições, entre cidadãos e cidadãs, entre os diferentes setores (empresarial e do estado), e entre a capacidade empreendedora de inovar na ação social e de governança, a que designaremos neste contexto, de inovação social e societal. Associado a esta primeira dimensão, reforça-se a segunda capacidade, a dimensão de parceria e rede, que permita conceber uma estratégia com corresponsabilidades, sinalizar problemas e constrangimentos, identificar e sinalizar oportunidades, mobilizar e rentabilizar recursos, potenciar e incentivar a solidariedade para dinâmicas ativas, como aquelas que se materializam por exemplo, através do voluntariado. Numa terceira capacidade, identificamos a integração da visão do desenvolvimento, o que permite um pensar sem fronteiras e sem gavetas e um agir sem preconceitos e sem condicionamentos. É neste olhar integrado, que se perceciona a relação de interdependência e de inter-relação da comunidade com o global, e se apresentam e se desenvolvem ações para além do estabelecido nas normas culturais e de “sistema”. Neste contexto de integração e de multimensionalidade, surge a capacidade única de fazer convergir as capacidades referidas para uma ímpar capacidade, a de intervenção comunitária. Esta quarta capacidade é assumida pelas características únicas já referidas e que impulsionam o movimento associativo do desenvolvimento local para a ação comunitária, que se constrói “com e para” as pessoas e através da relação de cooperação entre o setor social e o poder local. Esta capacidade permite em situações de emergência social, responder com a maior celeridade aos problemas sociais, como aqueles que a pandemia gerou e agravou. Por outro lado, esta capacidade permite um pensar de “baixo para cima” e deste modo, potenciar o agir que surge através de “cima”. A intervenção comunitária é um processo de emancipação, por promover a responsabilidade e o compromisso de todos os setores e da sociedade civil para solucionar ou atenuar problemas sociais, como aqueles que foram agravados no contexto pandémico. É a intervenção comunitária que permitiu por exemplo responder às necessidades de promoção da igualdade e equidade no ensino, ou por exemplo combater o isolamento social e promover a saúde mental no atual contexto pandémico. Esta capacidade é também aquela que permite alarmar e revindicar. São estas duas últimas características da intervenção comunitária que favorece uma última capacidade, entendida na sua função política e propositiva. Destaco a importância da observância do art.º. 5 que consagra os princípios orientadores da Lei de Bases da Economia Social (Lei n.º 30/2013 de 8 de maio) e que segundo a alínea f) refere a gestão autónoma e independente das autoridades públicas ou de entidades externas ao setor. Esta capacidade de independência política, permite um ativismo enquanto mecanismo de sinalização e identificação de problemas, “convocando” construtivamente a ação coletiva entre setores. Quando tal acontece nas comunidades, é também, um indicador do modelo de governança e do sentimento de liberdade de expressão. Se alerta e alarma, é porque entende como necessário, para reinvidicar mais recursos ou uma melhor gestão dos mesmos. Estas cinco capacidades quando apropriadas pelo movimento associativo do desenvolvimento local, apresentam no seu todo, uma aptidão extraordinária de contribuir para o desenvolvimento dos seus territórios e para a promoção da coesão social. Terminamos, referindo que o desenvolvimento local entendido através da representação da Animar – Associação Portuguesa para o Desenvolvimento Local no seio da Economia Social, é um desenvolvimento que responde em primeiro às necessidades das pessoas, sem lesar uns, em detrimento de outros, sem privilegiar a humanidade em detrimento da biodiversidade, valorizando esta nossa única e extraordinária casa comum, alicerçada, através das comunidade locais que cada um de nós habita, e que no diálogo, cooperação e solidariedade ativa, continua e continuará, a encontrar respostas para os desafios sociais e societais, nomeadamente aqueles, que vivenciamos no atual contexto pandémico. Dezembro de 2021 |
The recent history of local development finds special social relevance given the current pandemic moment that we are experiencing. SARS COVID19 is a pandemic on a global scale that requires local community-based intervention that recovers and values the “weight” of local development. If the slogan “think global, act local” was enlisted in search of sustainability for humanity, SARS COVID19 consolidates “acting locally to sustain the global”, in terms of prevention, planning and action seeking relief from the pandemic and its effects. It is noteworthy that the pandemic aggravated social problems, conditioned public, business and civil society action, but simultaneously reinforced the preponderance of the social economy sector, which continues to assert itself due to its relevance in situations of crisis.
While the pandemic context is a public health problem, “crises” are a problem of “humanity in development”. I recall the words of the great British filmmaker, Charles Chaplin, who in his wisdom and social satire in a context of the crisis of humanity associated with World War II, referred to humanity as a learning experience of society, in its good and bad passions, but distant from the “natural world”. While scientific data suggest that the pandemic results from “natural world”, crises, on the other hand, result from a paradox of human action, in which, on the one hand, we are responsible for and aware of its origins, and on the other, responsible for finding solutions to recover from the crises generated by our action. Crises are now the result of global interdependencies and decisions that place the interests of economic growth and its main stakeholders above the interests of people, biodiversity and our planet, which Pope Francis symbolically calls “common home”. Reinforcing the previous idea, crises (economic, oil, ecological…) stem from the development model that favours economic growth and results from decisions of “a few for many”, and where naturally “the many” remain excluded from the benefits those very decisions. It is here that the relevance of the local development movement emerges, namely, as argued by the Portuguese Association for Local Development – Animar. Inverting the decision-making process is, therefore, a purpose of the movement that brings together the diversity of legal natures by which entities in the social economy sector are constituted. But why does Animar defend a DNA built on “diversity”, acknowledging that its political and governmental understanding will be of greater misunderstanding? First, because the Local Development movement, as understood by Animar, is integrated, interdependent, non-sectorial and responds to different needs felt by communities. It is motivated to serve people and their causes through the formal, informal and non-formal institutions that constitute it. It is on the principle of coherence between the cause and the importance of the process that the movement for local development is built. Second, because the “diversity” valued by Animar is understood as pedagogy for understanding difference, for the prevention of borders (visible and invisible) and a mechanism that generates learning and innovation, resulting from practice and experience, science and theory, emotions and relationships. Finally, the enhancement and affirmation of the formal movement in the social economy sector does not exclude informality and non-formality; it does not exclude other forms of organisation and claims. It is in this context that the movement has asserted itself and taken on agendas beyond the sector in which it operates, presenting new intervention trends, which subsequently consolidate into public policies and their new social responses, as well as new governance models and taking on new causes, thus contributing to greater social cohesion and wellbeing of communities. THE PANDEMIC AND THE ROLE OF LOCAL DEVELOPMENT The pandemic context naturally exacerbated social challenges and social inequalities, which required rethinking and re-planning action in communities, something that local development is extremely enabled to do by five “abilities” that we will develop. The first ability is presented as creativity associated with social innovation, inherently linked to thinking “outside the box”, which contributes to responses that arise from the community, in the relationships established between institutions, between citizens and citizens, between the different sectors (business and state), and between the entrepreneurial ability to innovate in social action and governance, which we will call, in this context, social and societal innovation. Associated with this first dimension, the second ability, partnership and network, is reinforced, which allows designing a strategy with co-responsibilities, signalling problems and constraints, identifying and signalling opportunities, deploying and monetising resources, enhancing and encouraging solidarity for active dynamics, such as those that materialise, for example, through volunteering. In a third capacity, we identify the integration of the development vision, which allows for thinking without borders and without drawers and acting without prejudice and without conditioning. It is in this integrated look that the relationship of interdependence and interrelationship between the community and the global is perceived, and actions are presented and developed beyond what is established in cultural and “system” norms. In this context of integration and multidimensionality, the unique ability arises to converge the aforementioned abilities for a single capacity, that of community intervention. This fourth ability is assumed by the unique features mentioned above, which drive the associative movement of local development towards community action, built “with and for” people and through the cooperative relationship between the social sector and local authorities. This capacity allows, in situations of social emergency, responding with the greatest speed to social problems, such as those that the pandemic generated and aggravated. On the other hand, this ability allows for thinking from “bottom up” and thus potentiating the action that comes from “above”. Community intervention is a process of emancipation, for promoting the responsibility and commitment of all sectors and civil society to solve or alleviate social problems, such as those that were aggravated in the pandemic context. It is community intervention that allowed, for example, responding to the needs of promoting equality and equity in education, or, for example, fighting social isolation and promoting mental health in the current pandemic context. It is also this ability that allows for alarming and claiming. These are the last two features of community intervention that favour an ultimate capacity, understood in its political and propositional function. I emphasise the importance of complying with art. 5, which enshrines the guiding principles of the Basic Law on Social Economy (Law no. 30/2013 of May 8th), which, according to subparagraph f) refers to autonomous and independent management of public authorities or entities external to the sector. This capacity for political independence allows activism as a mechanism for signalling and identifying problems, constructively “summoning” collective action between sectors. When this happens in communities, it is also an indicator of the governance model and the feeling of freedom of expression. It alerts and alarms because it understands the need to claim more resources or better management thereof. These five abilities, when appropriated by the associative movement of local development, present, as a whole, an extraordinary ability to contribute to the development of their territories and the promotion of social cohesion. Let us finish by saying that local development understood through the representation of Animar – Portuguese Association for Local Development within Social Economy, is a development that responds primarily to the needs of people, without harming some to the detriment of others, without privileging humanity to the detriment of biodiversity, valuing this unique and extraordinary common house of ours, based on the local communities that each of us inhabits, which will continue to find answers in dialogue, cooperation and active solidarity for the social and societal challenges, namely those that we experience in the present pandemic context. December 2022 |