Maria Elisabete Ramos
Faculdade de economia
da Universidade de Coimbra C |
SOCIEDADES BENEFÍCIO
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1. CELEBRAR 10 ANOS DA LEI DE BASES
DA ECONOMIA SOCIAL E AS FRONTEIRAS DA ECONOMIA SOCIAL Em 2023, a Lei de Bases da Economia Social (daqui diante, LBES)[1] completa 10 anos de vigência. Desenvolvendo o quadro jurídico-constitucional em matéria do setor cooperativo e social[2], a primeira lei de bases dedicada à economia social estabelece “as bases gerais do regime jurídico da economia social, bem como as medidas de incentivo à sua atividade em função dos princípios e dos fins que lhe são próprios” (art. 1.º da LBES). Este diploma emanado pela Assembleia da República de modo algum esgota o quadro legislativo aplicável à economia social; pelo contrário, cada uma das suas “bases” depende de ulterior intervenção legislativa do Governo[3]. Simultaneamente, a LBES alterou, de modo indelével, a ordem jurídica existente, através da caraterização da economia social (art. 2.º), da identificação das entidades da economia social (art. 4.º), dos princípios orientadores da economia social (art. 5.º), das demais “bases”, e da exigência do necessário “desenvolvimento legislativo” (art. 13.º da LBES). Nestes 10 anos muito já foi feito, outros projetos estão em via de ser concretizados. A título de exemplo, considerem-se a aprovação do Código Cooperativo (Lei n.º 119/2015, de 31 de agosto), o Código das Associações Mutualistas (Decreto-Lei n.º 59/2018, de 2 de agosto), a renovação do Estatuto das Instituições Particulares de Solidariedade Social (Decreto-Lei n.º 172-A/2014 de 14 de novembro), as contas satélites da economia social relativas aos anos de 2016, 2013 e 2010 (art. 6.º, 2, da LBES). Outros desenvolvimentos da LBES estão anunciados e em curso. Falo da conta satélite da economia social que agregará dados relativos aos anos de 2019 e 2020[4] e da preparação da base de dados permanente das entidades da economia social (art. 6.º, 1, da LBES). Os dados estatísticos, por um lado, dão visibilidade ao impacto económico e social destas entidades e, por outro, confirmam o acerto da decisão politico-legislativa que gerou a LBES. A Conta Satélite da Economia Social relativa ao ano de 2016, evidencia que “o Valor Acrescentado Bruto (VAB) da Economia Social representou 3,0% do VAB da economia, tendo aumentado 14,6%, em termos nominais, face a 2013. Este crescimento foi superior ao observado no conjunto da economia (8,3%), no mesmo período. A Economia Social representou 5,3% das remunerações e do emprego total e 6,1% do emprego remunerado da economia nacional. Face a 2013, as remunerações e o emprego total da Economia Social aumentaram, respetivamente, 8,8% e 8,5%, evidenciando maior dinamismo que o total da economia (7,3% e 5,8%, respetivamente). Por grupos de entidades da Economia Social, as Associações com fins altruísticos evidenciavam-se em número de entidades (92,9%), VAB (60,1%), Remunerações (61,9%) e Emprego remunerado (64,6%)”[5]. A imposição de desenvolvimento legislativo, próprio de toda a lei de bases, e consagrado no art. 13.º da LBES representa, essencialmente, um compromisso com o futuro da economia social em Portugal. Volvidos 10 anos sobre a publicação da LBES, as decisões político-legislativas que venham a ser tomadas não podem, não devem ignorar as entidades societárias de natureza híbrida ou de “dupla missão” apresentadas como “veículos” do “capitalismo responsável”. Quer nos EUA quer na Europa O “triple bottom line”, constituído por planeta, pessoas e purpose, atribui às sociedades a missão de salvar o planeta e de ser agente de impactos positivos na comunidade. Esta tendência faz-se de múltiplas expressões, como sejam a responsabilidade social das empresas, o corporate purpose, o ESG (acrónimo que, a partir da língua inglesa, significa Environmental, Social, and Governance) ou o steward ownership. A benefit corporation (sociedade benefício) - nascida e moldada na experiência dos EUA e “transplantada” em várias ordens jurídicas da Europa – é apresentada como um dos “veículos” promissores do “capitalismo responsável” ou, numa outra expressão, do “firm altruism”. Encontrando-se em preparação a base de dados permanente das entidades da economia social[6], em cumprimento do disposto no art. 6.º, 1, da LBES, é oportuno perguntar se, nestes movimentos de reinvenção, serão as sociedades benefício futuro ou fronteira das entidades da economia social. O legislador português não deve ignorar o movimento de convergência que tem propiciado a disseminação internacional desta figura híbrida, vocacionada para conjugar o intuito lucrativo com benefícios coletivos, tanto gerais como de grupos específicos. [1] Lei n.º 30/2013, de 8 de maio. [2] Cfr. Deolinda Meira, “A Lei de Bases da Economia Social portuguesa: do projeto ao texto final”, CIRIEC-España. Revista Jurídica, nº 24/2013, p. 4, ss., sobre o quadro jurídico-constitucional aplicável ao setor cooperativo e social. [3] J. J. Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa anotada, vol. II, Artigos 108.º a 296.º, 4.ª ed., Coimbra: Coimbra Editora, 2010, p. 62. [4] Para mais informações, v. https://www.cases.pt/cses4/ (consultado no dia 6 de fevereiro de 2023). [5] https://www.cases.pt/contasatelitedaes/ (consultado no dia 6 de fevereiro de 2023). [6] Neste momento, a Base de Dados Permanente das Entidades de Economia Social (BDPEES) ainda não se encontra concluída, apesar das iniciativas preparatórias que têm tido lugar. Veja-se a notícia disponível em https://www.cases.pt/base-de-dados-das-entidades-de-economia-social-bdees/ (consulta no dia 6 de fevereiro de 2023). |
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