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Revista ES n.08 ― ​abril 2020
COOPERATIVAS E SOLIDARIEDADE: REALIDADES CONVERGENTES
Deolinda Meira
Docente do Instituto Politécnico do Porto/ ISCAP / CEOS.PP
Diretora do Mestrado em Gestão e Regime Jurídico-Empresarial da Economia social

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1. Introdução

O valor da solidariedade é um dos fundamentos éticos da democracia política, económica e social, estando associado a ações coletivas baseadas na ajuda mútua, na auto-organização, na igualdade de direitos, na participação livre e voluntária (Laville, 2009).

A cooperativa possui um ADN assente uma racionalidade própria, em princípios e caraterísticas estruturais, em referências normativas e éticas que são absolutamente coerentes com o valor da solidariedade. Diz-se, por isso, que a cooperativa cumpre uma função social, evidenciada pela primazia do indivíduo e dos objetivos sociais sobre o capital; pela governação democrática pelos membros; pela conjugação dos interesses dos membros e com o interesse geral; pela defesa e aplicação dos valores da solidariedade e da responsabilidade; pelo reinvestimento de fundos excedentários nos objetivos de desenvolvimento a longo prazo ou na prestação de serviços de interesse para os membros ou de serviços de interesse geral (Meira, 2012).

É esta função social que justifica que, em Portugal, as cooperativas gozem constitucionalmente de uma discriminação positiva por parte do Estado. Efetivamente, a Constituição da República portuguesa consagra, entre outros, o princípio da proteção do setor cooperativo e social (art. 80.º, al. f), que fundamenta quer as discriminações positivas deste setor relativamente aos restantes quer a previsão de medidas materiais que permitam o seu desenvolvimento, e o princípio da obrigação do Estado estimular e apoiar a criação de cooperativas (art. 85.º) (Namorado, 2017).

Esta função social encontra-se refletida nos valores e princípios cooperativos que integram o conceito de Identidade Cooperativa, conceito definido pela Aliança Cooperativa Internacional (ACI), em Manchester, em 1995. Os princípios cooperativos estão descritos no art. 3.º do Código Cooperativo português (CCoop), aprovado pela L. n.º 119/2015, de 31 de agosto, a saber: adesão voluntária e livre; gestão democrática pelos membros; participação económica dos membros; autonomia e independência; educação, formação e informação; intercooperação; e interesse pela comunidade. Os valores cooperativos, que enformam aqueles princípios, são: i) os valores de autoajuda, responsabilidade individual, democracia, igualdade, equidade e solidariedade, nos quais assenta a atividade das cooperativas como organizações; ii) os valores da honestidade, transparência, responsabilidade social e altruísmo que se dirigem ao comportamento individual dos cooperadores enquanto tais (Meira & Ramos, 2015; Namorado, 2018).

O valor da solidariedade integra, deste modo, a identidade cooperativa, funcionado como uma estrutura ética dos princípios cooperativos, orientando-os e estabilizando-os (Namorado, 2001).

Poderemos falar de uma solidariedade cooperativa com três dimensões: a solidariedade entre os membros da cooperativa (solidariedade intracooperativa); a solidariedade entre as cooperativas (solidariedade intercooperativa); e a solidariedade entre a cooperativa e a comunidade (solidariedade extracooperativa) (Garteiz-Aurrecoa, 2011).

Nas linhas que se seguem, analisaremos as repercussões jurídicas destas três dimensões na ordem jurídica portuguesa do cooperativismo.
 
2. A solidariedade intracooperativa

O fenómeno cooperativo sempre combinou uma vertente fortemente social com uma vertente económica, traduzida esta na satisfação dos interesses dos seus membros. Já em 1935, George Fauquet, na sua obra «O setor cooperativo. Ensaio sobre o lugar do Homem nas instituições cooperativas e destas na economia», realçava esta dupla vertente da cooperativa, afirmando que «deve distinguir-se na instituição cooperativa um elemento social e outro económico, visto ser: 1- uma associação de pessoas que reconhecem por um lado a similitude de certas necessidades e, por outro lado, a possibilidade de as  satisfazer melhor através de uma empresa comum do que individualmente; 2. E uma empresa comum cujo objetivo particular responde precisamente às necessidades a satisfazer»(Fauquet, 1980, p. 26).

A incindibilidade destes dois elementos – o social e o económico- marca todo o regime jurídico das cooperativas.

As cooperativas são «pessoas coletivas autónomas, de livre constituição, de capital e composição variáveis, que, através da cooperação e entreajuda dos seus membros, com obediência aos princípios cooperativos, visam, sem fins lucrativos, a satisfação das necessidades e aspirações económicas, sociais ou culturais daqueles» (n.º 1 do art. 2.º do CCoop).

O objeto social da cooperativa surge intimamente ligado à promoção dos interesses dos cooperadores, ou seja, à satisfação das suas necessidades económicas, sociais e culturais. As cooperativas não têm um fim próprio ou autónomo face aos seus membros, sendo um instrumento de satisfação das necessidades individuais (de todos e de cada um) dos cooperadores, que, no seio dela, e através dela trabalham, consomem, vendem e prestam serviços (Fajardo et al, 2017).

O fim da cooperativa não é, por isso, a obtenção de lucros para depois os repartir, mas maximizar a vantagem que os membros retiram das operações que realizam com a cooperativa ou através da cooperativa.

A instrumentalidade da cooperativa face aos membros resulta, então, do facto de a atividade da cooperativa se orientar necessariamente para os seus membros, que são os destinatários principais das atividades económicas e sociais que esta leva a cabo. Diz-se, por isso, que as cooperativas têm um escopo mutualístico. Esta ausência na cooperativa de um escopo autónomo que se diferencie dos interesses dos cooperadores é uma manifestação do valor da solidariedade. Estamos perante uma entidade que não se rege por uma perspetiva egoísta, centrada na procura do lucro, mas antes pela satisfação das necessidades dos seus membros (Meira, 2018).

Na decorrência do escopo mutualístico da cooperativa, os cooperadores assumem a obrigação de participar na atividade da cooperativa, cooperando mutuamente e entreajudando-se. As cooperativas operam com os seus membros, no âmbito de uma atividade que a eles se dirige e na qual participam cooperando (al. c) do n.º 2 do art. 22.º do CCoop). Esta participação, assente na cooperação e entreajuda, traduzir-se-á num intercâmbio recíproco de prestações entre a cooperativa e os cooperadores, prestações essas que são próprias do objeto social da cooperativa, o que em si mesmo é também uma evidência do valor da solidariedade, nas suas vertentes de ação coletiva e de auto-organização.

No entanto, o nexo teleológico existente entre a cooperativa e os seus membros não deverá ser entendido de um modo absoluto, ou seja, não deverá considerar-se a cooperativa como uma organização fechada, centrada apenas nos seus membros. Assim, o escopo mutualístico prosseguido pela cooperativa não implica que esta desenvolva atividade exclusivamente com os seus membros, podendo também realizar operações com terceiros. Nesta decorrência, o CCoop, no seu art. 2.º, n.º 2, estabeleceu que «as cooperativas, na prossecução dos seus objetivos, poderão realizar operações com terceiros, sem prejuízo de eventuais limites fixados pelas leis próprias de cada ramo».

As operações com terceiros abrangem a atividade entre cooperativas e membros não-cooperadores (terceiros) para o fornecimento de bens, serviços ou trabalho, do mesmo tipo dos fornecidos aos membros cooperadores. Tal significa que as atividades com terceiros, de que fala o legislador, se reportarão a atividades do mesmo tipo da atividade desenvolvida com os cooperadores (Meira, 2010).

Estas relações contratuais com terceiros evidenciam, desde logo, a afirmação da vertente solidária reivindicada pela cooperativa: a cooperativa satisfará, antes de mais, os interesses dos seus membros ao trabalho, ao crédito, à casa e, contemporaneamente, transbordará para o exterior, difundindo os seus serviços também a favor daqueles que, apesar de não serem membros da cooperativa, têm as mesmas necessidades que estes últimos, podendo, deste modo, gerar-se novas adesões. A dimensão solidária das cooperativas projeta-se igualmente no destino dado aos resultados positivos provenientes das operações com terceiros. O legislador cooperativo português impediu que estes resultados sejam repartidos entre os cooperadores, quer durante a vida da cooperativa, quer no momento da sua dissolução (art.s 99.º, 100.º, n.º 1, e 114.º do CCoop), sendo transferidos integralmente para reservas irrepartíveis, que entre outros destinos serão utlizadas para aumentar a capacidade e a sustentabilidade da cooperativa, e consequentemente a promoção do cooperativismo (Meira, 2018).

Não há solidariedade sem organizações assentes numa estrutura democrática (Henry, 2013). O direito de participação democrática é uma importante dimensão da vertente solidária das cooperativas, decorrendo do princípio cooperativo da gestão democrática pelos membros.

A estrutura democrática das cooperativas manifesta-se desde logo na proeminência da assembleia geral, qualificada como «o órgão supremo da cooperativa» (art. 33º, n.º 1 do CCoop).
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A governação cooperativa reflete a sua natureza mutualista ao assegurar que os membros controlam democraticamente a cooperativa, podendo participar ativamente na formulação de políticas e na tomada de decisões fundamentais, com base na regra de um membro, um voto (art. 40.º, n. º1 do CCoop). Esta regra é uma manifestação clara de que as pessoas contam mais do que o capital e que todos contam o mesmo (Fici, 2015). Refira-se que a admissão, a título excecional, do voto plural não contraria o princípio da gestão democrática. Entre outros limites imperativos que rodeiam o voto plural, este é sempre uma escolha da cooperativa, pelo que em circunstância alguma o Código Cooperativo português impõe a adoção de voto plural. Por outro lado, os estatutos só podem estabelecer que o voto plural seja atribuído ao cooperador em função da atividade deste na cooperativa (art. 41º, 2, do CCoop). Acresce que, em deliberações estratégicas para a cooperativa, cada cooperador dispõe somente de um voto, ainda que, por cláusula estatutária, lhe tenha sido atribuído voto plural (art. 41º, 4, CCoop).

O caráter democrático da governação cooperativa assenta ainda na circunstância de os titulares dos órgãos sociais deverem ser cooperadores (art. 29º, 1, CCoop), o que constitui um importante direito dos membros. Segundo a doutrina cooperativa este mecanismo foi concebido pelo legislador para assegurar que os membros dos órgãos de governação da cooperativa centrariam a sua atuação no objetivo de promoção dos interesses dos membros. De facto, este mecanismo, ao permitir que os interesses dos cooperadores estejam diretamente representados nos órgãos de administração e de fiscalização, apresenta a vantagem de os titulares destes órgãos da cooperativa, pela sua experiência decorrente do seu duplo papel de beneficiário e dirigente, terem permanentemente presentes os interesses dos cooperadores, não se desviando da finalidade principal da cooperativa (Münkner, 2015).

Esta solidariedade intracooperativa projeta-se, igualmente, no regime económico das cooperativas por via da consagração do chamado princípio da devolução desinteressada.

As reservas obrigatórias (reserva legal e reserva de educação e formação cooperativas), bem como as reservas constituídas com resultados provenientes de operações com terceiros, são insuscetíveis de qualquer tipo de repartição entre os membros da cooperativa (art. 99.º do CCoop), quer no momento em que os membros saem da cooperativa, quer no momento da liquidação desta.

Assim, quando o cooperador sai da cooperativa, por demissão ou por qualquer outra via, em matéria de reservas, o art. 89.º, n.º 2, do CCoop dispõe que o cooperador terá direito apenas à quota-parte das reservas não obrigatórias repartíveis (art. 100.º do CCoop).

No momento da liquidação do património da cooperativa o montante da reserva legal — não afetado à cobertura das perdas de exercício e que não seja suscetível de aplicação diversa — «pode transitar com idêntica finalidade para a nova entidade cooperativa que se formar na sequência de fusão ou cisão da cooperativa em liquidação» (art. 114.º, n.º 1). E «quando à cooperativa em liquidação não suceder nenhuma entidade cooperativa nova, a aplicação do saldo de reservas obrigatórias reverte para outra cooperativa, preferencialmente do mesmo município, a determinar pela federação ou confederação representativa da atividade principal da cooperativa» (art. 114.º, n.º 2).

Esta impossibilidade de distribuir o património residual, em caso de liquidação, deriva da função social que a cooperativa é chamada a cumprir e que implica que o seu destino, após a liquidação, seja a promoção do cooperativismo (Meira, 2018). Este princípio da devolução desinteressada é claramente convergente com a lógica da solidariedade.
 
3. A solidariedade intercooperativa

Subjacente ao funcionamento e organização do setor cooperativo está um dever de mútua colaboração.
Efetivamente, o Código Cooperativo português prevê várias formas de articulação entre cooperativas: as cooperativas multissetoriais (art. 4.º, n.º 2); a constituição de cooperativas de grau superior (arts. 101.º a 108.º); e a associação entre cooperativas e outras pessoas coletivas (art. 8.º).

Todas estas formas de articulação decorrem do princípio cooperativo da intercooperação, que aparece enunciado no art. 3.º do CCoop, nos seguintes termos: «as cooperativas servem os seus membros mais eficazmente e dão mais força ao movimento cooperativo, trabalhando em conjunto, através de estruturas locais, regionais, nacionais e internacionais». Este princípio estabelece um dever de mútua colaboração entre cooperativas, que visa a prossecução dos interesses dos cooperadores e dos interesses das próprias comunidades em que a cooperativa opera, afastando-se uma visão nacionalista da intercooperação, dada a referência expressa a vários planos — local, regional, nacional e internacional (Leite, 2012; Namorado, 2018).

Subjacente a este princípio está um conceito amplo de intercooperação que abrange quer as relações entre cooperativas quer as relações entre cooperativas e outras pessoas coletivas.

A doutrina aponta dois critérios de classificação, quanto às formas de intercooperação: um critério que distingue entre a intercooperação formal e a informal; um outro que distingue entre intercooperação horizontal e vertical (Namorado, 1995).

A intercooperação informal compreende um conjunto de vínculos contratuais que se traduzem numa colaboração económica ou de outro tipo, mais ou menos regular, sem perda de individualidade própria por parte das cooperativas contratantes.

Por sua vez, a intercooperação formal traduz-se na integração das cooperativas em estruturas de grau superior ou na associação de cooperativas entre si ou com outras pessoas coletivas, da qual pode resultar a criação de uma outra pessoa coletiva de natureza cooperativa ou diversa (Meira, 2019).

A intercooperação horizontal corresponde à intercooperação entre cooperativas do mesmo ou de diferentes ramos, ou entre cooperativas e outras pessoas coletivas.

A intercooperação vertical, também chamada intercooperação por via da integração, compreende os grupos cooperativos e as cooperativas de segundo grau.

Saliente-se que, nestes casos de intercooperação por via da integração (cooperativas de segundo grau ou de grau superior) ou por via da associação da cooperativa com outras pessoas coletivas, visar-se-á, tal como se refere no art. 3.º do CCoop, aumentar a eficácia no modo como a cooperativa serve os seus membros, pelo que o escopo mutualístico constitui o fundamento último destes processos (Henry, 2018).
 
4. A solidariedade extracooperativa

O objeto social da cooperativa não se circunscreve à satisfação das necessidades dos seus membros, devendo atender, igualmente, aos interesses da comunidade onde a cooperativa desenvolve a sua atividade.

Neste sentido, o princípio do interesse pela comunidade, que aparece enunciado no art. 3.º do CCoop, dispõe que «as cooperativas trabalham para o desenvolvimento sustentável das suas comunidades, através de políticas aprovadas pelos membros».

Assim, ainda que centradas nas necessidades dos seus membros, as cooperativas trabalham para conseguir o desenvolvimento sustentável das suas comunidades, segundo os critérios aprovados por estes.

Este princípio apresenta uma forte conexão com um outro princípio cooperativo, o princípio da adesão voluntária e livre, que corresponde ao tradicional princípio da porta aberta e que aparece formulado também no art. 3.º do CCoop nos seguintes termos: «As cooperativas são organizações voluntárias, abertas a todas as pessoas aptas a utilizar os seus serviços e dispostas a assumir a responsabilidade de membro, sem discriminações de sexo, sociais, políticas, raciais ou religiosas». Este princípio poderá ser encarado através de duas perspetivas, a saber: em primeiro lugar, a adesão deverá ser voluntária, uma vez que dependerá, exclusivamente, da vontade do cooperador; em segundo lugar, a adesão deverá ser aberta a todas as pessoas, desde que estas, como candidatas a cooperadores, preencham duas condições: a possibilidade de fruírem da utilidade própria da cooperativa; e a aceitação das responsabilidades inerentes à filiação (Meira, 2019b).

Esta conexão entre os dois princípios é evidente, uma vez que a permeabilidade que acompanhou tradicionalmente a cooperativa no momento de incorporar novos membros encontra a sua justificação na vontade de serviço à comunidade em que aquela está inserida. A incorporação de membros provenientes do âmbito territorial onde a cooperativa realiza maioritariamente a sua atividade foi uma constante neste tipo organizacional, cuja finalidade última seria a da satisfação das necessidades sentidas pela comunidade, aparecendo a cooperativa, deste modo, como entidade geradora de empregos estáveis (principalmente porque as cooperativas, em virtude do seu forte enraizamento a nível local, desenvolvem atividades que, pela sua própria natureza, não são suscetíveis de serem deslocalizáveis) e fomentadora de um espírito empreendedor.

Assim, as cooperativas terão a particular responsabilidade de assegurar que o desenvolvimento das suas comunidades seja económica, social e culturalmente sustentado.

Destes princípios decorrerá, portanto, o envolvimento das cooperativas no contexto social, cabendo aos cooperadores a escolha das políticas através das quais esse envolvimento se concretizará.

Um outro princípio de enorme relevância para a sustentação da afirmação de que o objeto da cooperativa abrange o desenvolvimento de atividades com uma dimensão social relevante, será o princípio da educação, formação e informação (art. 3.º do CCoop).

Diz o legislador que «as cooperativas promoverão a educação e a formação dos seus membros, dos representantes eleitos, dos dirigentes e dos trabalhadores, de modo que possam contribuir eficazmente para o desenvolvimento das suas cooperativas. Elas devem informar o grande público, particularmente os jovens e os líderes de opinião, sobre a natureza e as vantagens da cooperação» (art. 3.º do CCoop).

Este princípio realça a obrigação de as cooperativas, na sua atividade, assegurarem a educação e formação, quer dos seus membros, quer dos titulares dos seus órgãos eleitos, quer dos seus administradores, quer dos seus trabalhadores.

Além disso, este princípio abrange o dever de informar o público em geral, visando sensibilizá-los para a natureza e benefícios da cooperação, o que poderá fomentar novas adesões, e sobretudo adesões conscientes.

Refira-se, finalmente, que este princípio se concretiza, no Código Cooperativo, através da consagração de uma reserva obrigatória «para a educação cooperativa e a formação cultural e técnica dos cooperadores, dos trabalhadores da cooperativa e da comunidade» (art. 97.º). Esta reserva constitui uma das notas mais distintivas da empresa cooperativa relativamente às restantes formas de empresa. Cria-se um património afetado a fins sociais, do qual beneficiarão os próprios cooperadores, os trabalhadores da cooperativa e o meio social (Meira, 2017).

A constituição deste tipo de reserva, com esta finalidade, significa que a cooperativa é não só uma organização económica, mas também uma organização com finalidades sociais.
 
Considerações finais

Este breve percurso pela legislação cooperativa portuguesa permitiu evidenciar a vertente solidária das cooperativas em íntima conexão com os princípios cooperativos, a qual se projeta nas relações entre os cooperadores, nas relações entre as cooperativas e nas relações estabelecidas com a comunidade em que as cooperativas se inserem.

Esta vertente solidária, associada à sua vocação cívica, ao seu caráter democrático, às suas virtualidades participativas, permite às cooperativas afirmarem-se como agentes de uma sociedade mais justa e solidária.
 
 Referências Bibliográficas 
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