Eduardo Graça
Presidente da CASES
President of CASES |
A REFORMA INSTITUCIONAL
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Nas vésperas do Natal de 2008 recebi um telefonema de José António Vieira da Silva, Ministro do Trabalho, convidando-me para uma conversa a concretizar de imediato. Infelizmente estava literalmente de malas aviadas para as férias de Natal e a conversa foi adiada por uns dias vindo a ter lugar ainda antes do final do ano. Não me foi revelado ao que vinha o José António, Ministro, que conhecia, e conheço, muito bem dos idos das lutas estudantis e políticas ante e pós 25 de abril. A conversa destinava-se a convidar-me para assumir a presidência do INSCOOP (instituto António Sérgio do Setor Cooperativo, IP), cujo presidente, Canaveira de Campos, cessaria funções no final desse ano.
Aceitei o desafio. Assumi dessa forma o encargo de dirigir o processo de extinção do INSCOOP, IP e de criação de uma entidade de novo tipo cujos contornos haviam de ser desenhados ao longo do ano de 2009. O presente texto pretende, não só contribuir de forma modesta, mas precisa e concisa, para a história da economia social em Portugal, no plano das instituições criadas a partir de 2010, como das pessoas que, desde finais de 2008 até ao presente, desempenharam um papel relevante neste processo de reforma. Assinalo a propósito quão escassos são os testemunhos prestados, ao longo do tempo, pelos protagonistas da ação nesta área tão relevante da vida da nossa sociedade. Iniciei funções como presidente do INSCOOP, IP no início de 2009 conforme despacho nº 4197/2009, de 20 janeiro, com produção de efeitos a partir de 31 de dezembro de 2008. O cargo era uninominal e a cadeira onde havia de me sentar situava-se na Rua D. Carlos Mascarenhas, a Campolide, em Lisboa. O INSCOOP, IP tinha uma longa e venerável tradição de intervenção no setor cooperativo, mas estava exaurido de recursos, em particular, na área do pessoal. A extinção de um organismo público não é tarefa empolgante, mas no caso em apreço foi concretizada cumprindo todos os passos e procedimentos exigíveis, sem dramas nem contendas. O Orçamento de Estado para 2010 integrou verbas para o seu funcionamento no primeiro semestre descontinuando a sua atividade, dando lugar à nova entidade a criar no segundo semestre. Cooperativa António Sérgio para a Economia Social (CASES) O debate acerca da natureza jurídica e da conformação organizacional da entidade que sucederia ao INSCOOP, IP decorreu ao longo de 2009 com a participação ativa dos gabinetes dos Secretários de Estado do Emprego e da Formação Profissional, Fernando Medina e Valter Lemos que se sucederam no Governo, sendo Ministro do Trabalho e da Solidariedade Social José António Vieira da Silva que exerceu estas funções entre 12 de março de 2005 e 25 de outubro de 2009. Curiosamente, ou talvez não, o essencial da conceção e operacionalização do modelo de entidade que sucedeu ao INSCOOP, IP decorreu neste período temporal culminando com a publicação do Decreto-lei nº 282/2009, de 7 de outubro, que autoriza a criação pelo Estado Português da Cooperativa António Sérgio para a Economia Social – Cooperativa de Interesse Público de Responsabilidade Limitada, “que agrega o Estado e outras entidades do setor cooperativo e da economia social”. No final do ano de 2009 através do despacho nº 26623/2009 de 29 de novembro, “o IEFP fica autorizado a subscrever 200 títulos, com o valor unitário de €1000, no valor global de €200 000”, tendo em vista constituir a parte pública do capital social da CASES. Logo de seguida, em 1 de fevereiro de 2010, é publicado o despacho nº 2342/2010, que designa António Beirão Freire Torres como representante do Estado na assembleia geral da CASES. Com ele estabeleci, ademais da relação de trabalho, uma firme e duradoura amizade. Ao longo do ano de 2009 até inícios de 2010 sucederam-se trocas de opiniões e encontros formais e informais com os dirigentes das entidades privadas, representativas do setor da economia social, que viriam, em parceria com Estado, a integrar a CASES. Tenho memória que, do elenco das entidades envolvidas, o Centro Português de Fundações declinou o convite tendo o mesmo sido aceite por seis outras entidades que vieram a subscrever a escritura pública de constituição da CASES, designada como de “aumento de capital e alteração de estatutos”. Na verdade, através de escritura pública, celebrada em 4 de fevereiro de 2010, seis entidades confederais do setor da economia social subscreveram uma participação de dezassete mil euros, representada por dezassete títulos de mil euros cada. O capital social foi assim aumentado de € 200 000 para €302 000 consagrando a associação entre o Estado e Entidades privadas representativas do setor da economia social. As seis entidades que subscreveram, nas instalações do Museu do Oriente em Lisboa nesse dia 4 de fevereiro, a escritura pública de constituição da CASES foram as seguintes, assim como os seus representantes: ANIMAR (Associação Portuguesa para o Desenvolvimento Local) representada por Rogério Roque Amaro e Maria Clara Amorim Lourenço; CONFECOOP (Confederação Cooperativa Portuguesa, CCRL), representada por José Manuel Jerónimo Teixeira; CONFAGRI (Confederação Nacional das Cooperativas Agrícolas e do Crédito Agrícola, CCRL), representada por Francisco João Bernardino Silva e Aldina Baptista Fernandes; CNIS (Confederação Nacional das Instituições de Solidariedade), representada por Lino da Silva Maia; UMP (União das Misericórdias Portuguesas, representada por Carlos Alberto Correia Andrade; UMP (União das Mutualidades Portuguesas), representada por Alberto José dos Santos Ramalheira, Pedro Maria Bleck da Silva e Luis Alberto de Sá e Silva. A criação da CASES, conforme o modelo de cooperativa de interesse público, também conhecido como “régie cooperativa”, foi uma inovação arrojada nos planos legal e institucional na medida em que se lhe foram atribuídos poderes de autoridade para o setor cooperativo e, posteriormente, para o voluntariado, aceitando o Estado partilhar a gestão de uma instituição, em todas as suas atribuições e competências, com entidades privadas. A salvaguarda da reserva de poder público reside na posse pelo Estado da maioria do capital assim como no papel de representante do Estado na assembleia geral. Não se pense, no entanto, que se tratou à partida de uma solução consensual, desde logo pelas reservas naturais a respeito do papel do Estado na sua relação com o setor da economia social e, em particular, com o setor cooperativo. Para ilustrar essa potencial reserva deixo um excerto de “Sobre o espírito do cooperativismo”, de 1958, um dos últimos escritos de António Sérgio, o mais insigne cooperativista e pensador português do século XX: “Coisa alguma é obrigatória no setor cooperativo. Abertíssimo a todos, quanto há nele é voluntário, espontâneo, livre. Poderão os Governos dar discreto auxílio (difundindo conhecimentos sobre as sociedades cooperativas; promulgando legislação que seja a elas favorável; auxiliando o desenvolvimento de instituições bancárias destinadas a financiar os empreendimentos cooperativistas) mas sem nunca tentar a mais pequena ingerência na marcha e na direção das sociedades cooperativas. O cooperativismo é de iniciativa popular em tudo. Todo ele é edificado pela atividade dos cidadãos.” O mesmo se poderia dizer das associações, expressão organizativa do associativismo livre, que constituem o maior número das entidades da economia social, no que respeita à sua relação com o Estado! Conselho Nacional para a Economia Social (CNES) A segunda instituição estruturante do setor da economia social, criada neste período através da RCM nº 55/2010 de 22 de julho, é o CNES (Conselho Nacional para a Economia Social), enquanto “órgão de acompanhamento e de consulta do governo no domínio das estratégias e das políticas públicas de promoção e de desenvolvimento da economia social.” A representatividade do setor foi assegurada e, posteriormente, alargada com a participação de todas as mais relevantes entidades representativas do setor. Acrescem cinco personalidades de reconhecido mérito, assim como representantes dos governos das Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira e das Associações Nacionais dos Municípios e das Freguesias. No período que decorreu entre inícios de 2009 e julho de 2010 foi, assim, encetada uma profunda reforma do setor da economia social, tanto no plano institucional (de que aqui se trata) como nos planos legal e operacional. É relevante referir que o processo de criação destas duas instituições decorreu em simultâneo com o agravamento da crise das dividas soberanas que culminou, em abril de 2011, com o pedido de resgate pelo governo português, a que seguiram eleições legislativas, e a subsequente mudança de governo. No entanto este processo de reforma decorreu sem interrupções nem mudanças de trajetória. Confederação Portuguesa de Economia Social (CPES) A criação da CASES e do CNES, entidades de natureza pública, embora participadas por entidades privadas representativas das diversas “famílias” da economia social, fez com que se tornasse mais sensível a ausência de uma organização associativa que as congregasse a todas. Na sequência de um processo de debate nacional no qual participaram as mais relevantes entidades confederais da economia social portuguesa, que decorreu desde finais de 2016, tendo como ponto alto a sessão final do Congresso Nacional da Economia Social, realizada em 14 de novembro de 2017, foi formalmente criada a Confederação Portuguesa da Economia Social (CPES). O dia 21 de junho de 2018 fica na história da Economia Social em Portugal. Nesse dia foi celebrada a escritura de constituição da Confederação Portuguesa de Economia Social (CPES). O evento decorreu nas instalações da Sociedade Portuguesa de Autores (SPA), pelas 18 horas do dia 21 de junho de 2018, tendo como associados fundadores: ANIMAR – Associação Portuguesa para o Desenvolvimento Local; APM – Associação Portuguesa de Mutualidades CNIS – Confederação Nacional das Instituições de Solidariedade; CONFAGRI – Confederação Nacional das Cooperativas Agrícolas e do Crédito Agrícola de Portugal, Ccrl; CONFECOOP – Confederação cooperativa portuguesa, Ccrl; CPCCRD – Confederação Portuguesa das Coletividades de Cultura, Recreio e Desporto; CPF – Centro Português de Fundações; UMP – União das Misericórdias Portuguesas; UMP – União das Mutualidades Portuguesas. As nove entidades fundadoras da CPES representam, quase na sua plenitude, o universo das entidades da economia social portuguesa. Qual a importância desta decisão? Para além de resultar de um consenso entre parceiros privados que comungam valores e princípios comuns que trabalham para as pessoas e com as pessoas, significou um passo no sentido da união de forças no respeito pela autonomia e diversidade de cada uma delas, em prol do reconhecimento público do setor da economia social (ou “setor cooperativo e social” conforme os termos da CRP). Centro para a Economia e Inovação Social (CEIS) Neste novo edifício institucional da economia social portuguesa faltava criar uma estrutura que permitisse, de forma permanente e continuada, cuidar da formação profissional dos seus dirigentes e trabalhadores. Tendo em vista prosseguir esse objetivo, a 11 de janeiro de 2022 foi subscrito, pelos membros do CNES, o Acordo para a Formação Profissional e Qualificação da Economia Social, que constitui um compromisso estruturante para uma renovada política pública para a formação profissional e qualificação do setor. Entre outros, foi assumido o compromisso de assegurar a participação do setor da Economia Social na definição, implementação e acompanhamento dos programas de formação profissional, de forma a ser alcançada uma resposta coerente e eficaz às necessidades formativas do setor, tendo em vista a capacitação transversal e permanente das entidades que o integram. Este compromisso teve expressão tangível na criação de um Centro Protocolar para a Formação Profissional dedicado ao Setor da Economia Social, denominado Centro para a Economia e Inovação Social (CEIS). O CEIS foi instituído pela Portaria nº 302/2022, de 21 de dezembro, que homologou o protocolo de criação do Centro, outorgado entre o Instituto do Emprego e Formação Profissional, I.P. (IEFP, IP), a Cooperativa António Sérgio para a Economia Social (CASES), a Confederação Portuguesa de Economia Social (CPES), o Centro de Estudos Ibéricos (CEI) e o Instituto da Segurança Social, I.P. (ISS, IP). Foi-lhe atribuído, como objetivo central a capacitação das entidades da economia social, assim como a promoção da realização de formação profissional, o reconhecimento, validação e certificação de competências, e a prestação de serviços e apoio técnico a entidades no âmbito da economia social, estando neste final de 2023 em fase de estruturação com a garantia de dispor de orçamento, previsto no OE/2024, para suportar as atividades a desenvolver neste ano. Eis que, após longos anos de estagnação, se concretiza a criação de uma resposta nova e permanente destinada a promover a formação e capacitação dos trabalhadores e dirigentes do setor da economia social até agora arredado, enquanto tal, de uma política pública que lhe fosse dedicada. Apraz-me assinalar que este desenvolvimento muito se deve ao empenho da Senhora Ministra do Trabalho, Ana Mendes Godinho. Conclusão breve Ficou, desta forma, concluída uma reforma institucional do setor da economia social que alimenta fundadas expetativas para o seu desenvolvimento e renovação no próximo futuro. Cada uma destas quatro instituições, embora em diversas fases de maturação, dispõem de sólido enquadramento legal e estruturas dirigentes que auguram, assim não faleça a vontade política, uma nova época para a economia social portuguesa. |
March
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