Celebra-se a 2 de julho de 2022 o Dia Internacional da Cooperativas, efeméride que a CASES sempre evoca enquanto entidade com a atribuição pública do setor cooperativo em Portugal a par, no contexto associativo, das Confederações Cooperativas portuguesas, CONFAGRI e CONFECOOP.
Encimamos este editorial, em aparente contradição com a essência do seu conteúdo, com a referência a uma efeméride através da integração no corpo deste número da revista do estudo acerca das “100 maiores cooperativas portuguesas”.
Mas no contexto de uma prolongada crise de contornos, a mais das vezes surpreendentes e inesperados, com impactos económico-sociais e geoestratégicos certamente profundos, incontornáveis e estruturantes, a economia social pela sua importância, apesar da sua reconhecida capacidade de resposta aos efeitos das crises, assim como como pela proximidade às comunidades, não se pode deixar aprisionar pelos desafios do presente imediato.
Esta reflexão levou-me a revisitar a Exortação Apostólica “Evangelii Gaudium” do Papa Francisco, citando dela um excerto que encerra um mundo de ensinamentos:
“O tempo é superior ao espaço
222. Existe uma tensão bipolar entre a plenitude e o limite. A plenitude gera a vontade de possuir tudo, e o limite é o muro que nos aparece pela frente. O «tempo», considerado em sentido amplo, faz referimento à plenitude como expressão do horizonte que se abre diante de nós, e o momento é expressão do limite que se vive num espaço circunscrito. Os cidadãos vivem em tensão entre a conjuntura do momento e a luz do tempo, do horizonte maior, da utopia que nos abre ao futuro como causa final que atrai. Daqui surge um primeiro princípio para progredir na construção de um povo: o tempo é superior ao espaço. 223. Este princípio permite trabalhar a longo prazo, sem a obsessão pelos resultados imediatos. Ajuda a suportar, com paciência, situações difíceis e hostis ou as mudanças de planos que o dinamismo da realidade impõe. É um convite a assumir a tensão entre plenitude e limite, dando prioridade ao tempo. Um dos pecados que, às vezes, se nota na actividade sociopolítica é privilegiar os espaços de poder em vez dos tempos dos processos. Dar prioridade ao espaço leva-nos a proceder como loucos para resolver tudo no momento presente, para tentar tomar posse de todos os espaços de poder e autoafirmação. É cristalizar os processos e pretender pará-los. Dar prioridade ao tempo é ocupar-se mais com iniciar processos do que possuir espaços. O tempo ordena os espaços, ilumina-os e transforma-os em elos duma cadeia em constante crescimento, sem marcha atrás. Trata-se de privilegiar as acções que geram novos dinamismos na sociedade e comprometem outras pessoas e grupos que os desenvolverão até frutificar em acontecimentos históricos importantes. Sem ansiedade, mas com convicções claras e tenazes.”
Qual o propósito desta citação? Preparar os leitores para o que vou escrever de seguida no qual se refere, de forma breve, programas e projetos estruturantes nos quais participamos por atribuições públicas conferidas à CASES ou por se situarem no epicentro dos desafios estratégicos com os quais a Economia Social de confronta, a nível global, europeu e nacional.
Na área da formação profissional e capacitação institucional dos trabalhadores, dirigentes e entidades da Economia Social, compete-nos participar de forma persistente e estruturada:
- No apoio e acompanhamento da implementação em Portugal de medidas que respondam às recomendações constantes do “Plano de Ação Europeu para a Economia Social”, apresentado em dezembro de 2021 pela Comissão Europeia; - Na participação nos trabalhos de operacionalização das medidas e intervenções constantes do “Acordo para a Formação Profissional e Qualificação da Economia Social”, subscrito pelos membros do CNES, e que se constitui como compromisso para a criação das bases de uma renovada política pública para a Formação Profissional e Qualificação do setor; - No desenvolvimento dos trabalhos conducentes à criação do “Centro Protocolar de Formação para a Economia Social” e do “Centro de Competência Ibérico para a Formação Profissional e Capacitação do Setor da Economia Social”.
Na área do desenvolvimento regional e local assumimos contribuir para a criação e consolidação uma “Rede das Cidades da Economia Social”.
Tendo Portugal assumido em 2021 a presidência do Comité de Monitorização da Declaração do Luxemburgo, coube-nos a decisão da escolha da Capital Europeia da Economia Social para esse ano. Nesse sentido, foi levado a cabo, pela CASES, um levantamento de potenciais cidades portuguesas que pudessem desempenhar esse papel.
Na fase final do processo de escolha da cidade Capital Europeia da Economia Social, apresentaram candidatura as cidades de Braga, Cascais, Coimbra, Sintra e Torres Vedras. Face à qualidade e complementaridade das candidaturas apresentadas, foi tomada a opção pela criação, não de uma capital europeia da Economia Social, mas de uma rede de cidades portuguesas – Capital Europeia de Economia Social.
Este modelo apresentava, à partida, e que se veio a confirmar, a vantagem de permitir a realização de eventos de diferente teor de acordo com a maior apetência e capacidade de execução de cada cidade e, simultaneamente, envolver mais atores na promoção da Economia Social.
Para além disso, foi consensual, entre as Câmaras Municipais daqueles cinco concelhos e a CASES, o entendimento de que esta experiência seria o início de um compromisso mais duradouro, desde logo através da adesão de outros municípios pós 2021, com o reforço das atividades já existentes, fortalecendo a ligação entre as autarquias locais e a Economia Social, criando micro redes e redes temáticas de Economia Social, divulgando a partilha de boas práticas e a densificação de parcerias abertas, e de geometria variável, nas quais se possam rever entidades públicas, privadas e da Economia Social.
Na área da estatística pretende-se alargar e aprofundar o conhecimento estatístico da Economia Social e seu mapeamento, como preconizado por diversas instâncias internacionais como premissa essencial, quer para o reconhecimento e visibilidade do setor, quer para a definição de medidas de política pública que lhe sejam adequadas. A que acrescento um sinal da determinação de criar uma série estatística longa incidindo sobre o setor da Economia Social em Portugal.
Com este propósito, está em curso a elaboração, em parceria com o INE, da “Conta Satélite da Economia Social (CSES)”, com dados de 2019 e 2020 (que será a quarta conta satélite elaborada e publicada com periodicidade trianual) e a operacionalização da “Base de Dados Permanente das Entidades da Economia Social (BDPEES)”, duas das medidas mais relevantes para o reforço do conhecimento certificado do setor da Economia Social.
Na área do apoio às reformas legislativas, carece de ser prosseguida uma “reflexão aprofundada acerca da legislação com incidência na economia social”, envolvendo, inclusive, a Lei de Bases da Economia Social, de 2013, promovendo as condições para a apresentação de um memorando contendo, em particular, um projeto de reforma da legislação ordinária do setor.
Deixo aqui este elenco de quatro programas que integram um conjunto alargado de medidas e ações para o futuro, para cuja concretização o tempo conta mais do que o espaço, a paciência e a perseverança mais do que o frenesim das conquistas imediatas. Um programa apresentado de forma resumida, certamente exigente em parcerias e acordos, desde logo do Estado com o próprio Estado, que será um valioso contributo para o desenvolvimento e consolidação da Economia Social no futuro, um input relevante para os trabalhos da academia e, ao mesmo tempo, um impulso para que o setor, confrontado com as realidades puras e duras do nosso tempo (afinal de todos os tempos, sempre com novas qualidades), melhor se prepare para receber dela o saber que o estudo sistemático, cuidado e minucioso, a que a academia se dedica, sempre propicia.
International Day of Cooperatives is celebrated on 2 July 2022, an event that CASES always evokes in its capacity as the competent public entity responsible for the cooperative sector in Portugal, along with its members, the Portuguese Cooperative Confederations CONFAGRI and CONFECOOP.
In apparent contradiction to the essence of its content, we headline this editorial with a reference to an event, by including a study on the ‘100 largest Portuguese cooperatives’ .
But in the context of a prolonged crisis with quite often surprising and unexpected outlines, with socioeconomic and geostrategic impacts that are certainly profound, unavoidable and structuring, the social economy cannot become entrapped by the challenges of the immediate present, despite its recognised ability to respond to the effects of crises, and the proximity to communities.
This reflection led me to revisit the Apostolic Exhortation ‘Evangelii Gaudium’ of Pope Francis, quoting from it an excerpt that contains within it a world of teachings:
‘Time is greater than space
222. There is a bipolar tension between fullness and limitation. Fullness evokes the desire for complete possession, while limitation is the wall set before us. Broadly speaking, “time” has to do with fullness as an expression of the horizon which constantly opens before us, while each individual moment has to do with limitation as an expression of enclosure. People live poised between each individual moment and the greater, brighter horizon of the utopian future as the final cause which draws us to itself. Here we see a first principle for progress in building a people: time is greater than space. 223. This principle enables us to work slowly but surely, without being obsessed with immediate results. It helps us patiently to endure difficult and adverse situations, or inevitable changes in our plans. It invites us to accept the tension between fullness and limitation, and to give a priority to time. One of the faults which we occasionally observe in sociopolitical activity is that spaces and power are preferred to time and processes. Giving priority to space means madly attempting to keep everything together in the present, trying to possess all the spaces of power and of self-assertion; it is to crystallize processes and presume to hold them back. Giving priority to time means being concerned about initiating processes rather than possessing spaces. Time governs spaces, illumines them and makes them links in a constantly expanding chain, with no possibility of return. What we need, then, is to give priority to actions which generate new processes in society and engage other persons and groups who can develop them to the point where they bear fruit in significant historical events. Without anxiety, but with clear convictions and tenacity.’
What is the purpose of this quote? To prepare readers for what I will write next, which briefly refers to structuring programmes and projects in which we participate due to the public competence assigned to CASES or because they are located at the epicenter of the strategic challenges faced by the Social Economy, at global, European and national level.
In the area of professional training and institutional enablement of workers, leaders and entities in the Social Economy, it is up to us to ensure our persistent and structured participation in the:
- Support and monitoring of the implementation of measures in Portugal that respond to the recommendations contained in the ‘European Action Plan for the Social Economy’, presented by the European Commission in December 2021. - Work to operationalise the measures and interventions set out in the ‘Agreement for Professional Training and Qualification of the Social Economy’, signed by the members of the CNES, and which constitutes a commitment to lay the bases of a renewed public policy for Professional Training and Qualification of the sector. - Development of the work leading to the creation of the ‘Protocol Training Centre for the Social Economy’ and the ‘Iberian Competence Centre for Professional Training and Qualification of the Social Economy Sector’.
In the area of regional and local development, we undertake to contribute to the creation and consolidation of a ‘Network of Social Economy Cities’.
As Portugal took on the presidency of the Monitoring Committee of the Luxembourg Declaration in 2021, we were responsible for selecting the European Capital of the Social Economy for that year. To this end, CASES carried out a survey of potential Portuguese cities that could play such a role.
In the final phase of the process to choose the European Capital of the Social Economy, the cities of Braga, Cascais, Coimbra, Sintra and Torres Vedras submitted their applications. Given the quality and complementarity of the applications presented, the decision was to create not a European capital of the Social Economy, but rather a network of Portuguese cities – European Capital of the Social Economy.
At the outset, and as later confirmed, this model presented the advantage of allowing for events with different content according to the greatest aptitude and execution capacity of each city and, simultaneously, engaging more actors in the promotion of the Social Economy.
In addition, there was a consensus between the Municipal Councils of those five municipalities and CASES, that this experience would be the beginning of a more lasting commitment. Other municipalities would join after 2021, reinforcing existing activities, strengthening the link between local authorities and the Social Economy, creating micro networks and Social Economy thematic networks, disseminating the sharing of good practices and the intensifying open partnerships, of different configurations, in which public, private and social economy entities can get involved.
In the area of statistics, the aim is to broaden and deepen the statistical knowledge of the Social Economy and its mapping, as recommended by several international bodies, as an essential premise both for the recognition and visibility of the sector and for the definition of appropriate public policy measures. To which I add a sign of the determination to create an extensive statistical series focusing on the Social Economy sector in Portugal.
For this purpose, the development of the ‘Social Economy Satellite Account (CSES)’, in partnership with the INE, is ongoing, and contains data from 2019 and 2020 (which will be the fourth satellite account prepared and published on a triannual basis) and the operationalisation of the ‘Permanent Database of Social Economy Entities (BDPEES)’: two of the most relevant measures for strengthening certified knowledge of the Social Economy sector.
In the area of support for legislative reforms, an ‘in-depth reflection on legislation with an impact on the social economy’ must be pursued, including the Social Economy Basics Act of 2013, promoting the conditions for the presentation of a memorandum containing, in particular, a draught reform of the sector’s ordinary legislation.
I leave you with this list of four programmes that integrate a wide range of initiatives and actions for the future, where time is more important than space when it comes to implementation, as is patience and perseverance, more than the frenzy of immediate achievements. A programme presented in summary form, certainly demanding in partnerships and agreements, from the outset between and with the State itself, which will become a valuable contribution to the development and consolidation of the Social Economy in the future, a relevant input for academic work, and at the same time, confronted with the pure and harsh realities of our time (all times, in fact, always with new qualities), an impulse for the sector to better prepare itself to receive the knowledge that academia’s systematic, careful and thorough study always provides.