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Revista ES - Economia Social
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MICROCRÉDITO PARA MICROEMPRESAS
​​António Curto
Economista, ex-Coordenador do Programa Nacional de Microcrédito
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1. SOFIA
 
“- Como se chama?
- Sufia Begum.
-Quantos anos tem?
-Vinte e um.
-Este bambu é seu?
-Sim.
-Onde vai buscá-lo?
-Compro-o.-
- E quanto paga por ele?
- Cinco taka – isso representava, na época, 22 cêntimos americanos.
-Você tem esses 5 taka?
-Não, peço emprestado aos paikars.
-Aos intermediários? Qual é o seu acordo com eles?
-Tenho de lhes vender os meus tamboretes de bambu no fim do dia, para pagar o empréstimo. O que sobra é para mim.
-Por quanto é que os vende?
- Cinco taka e cinquenta paisa.
Acenou um sim com a cabeça. Isso equivalia um lucro de 2 cêntimos apenas.”
 
2. ANDC – Associação Nacional de Direito ao Crédito
 
Esta é a Sofia que Muhammad Yunus nos apresenta em “O banqueiro dos pobres”. Analfabeta, pobre, repetindo inexoravelmente o ciclo diário da pobreza, mas dotada daquilo que Yunus chamou “competências úteis”
Podemos ver esta Sofia, de diferentes perspectivas. Normalmente, numa aproximação rápida, somos conduzidos à ausência de escolaridade e ao estigma da pobreza, integramo-la no género feminino que constituiu a maioria dos clientes do Grameen Bank e destacamos a capacidade empreendedora para gerar valor para a comunidade.
 
Sofia, foi sem dúvida importante para a história do microcrédito em Portugal. Frequentemente citada em diversos encontros,  Sofia foi também o paradigma do projecto da criação em 1998 da  ANDC - Associação Nacional de Direito ao Crédito, que arrancou com um modelo de negócio apoiado pelo Instituto de Emprego e Formação Profissional e pelo Banco Comercial Português. Infelizmente, este projecto, terminou com a decisão dos seus associados de dissolução da ANDC - Associação Nacional de Direito ao Crédito, em Março de 2019.
 
 
O projecto da ANDC foi percursor de diversas iniciativas na área do microcrédito, nomeadamente a rede de Microcrédito do Banco Comercial Português, cujo lançamento  foi concretizado a 8 de Novembro de 2005, com a abertura de três sucursais, em Lisboa, Porto e Braga, assegurando a cobertura de 65% do mercado alvo . Numa parceria com a Caritas,  McKinsey e a Gulbenkian, o BCP lançou uma rede autónoma, para todos os cidadãos, clientes ou não do BCP, que necessitassem de apoio para criar o seu posto de trabalho, fornecido por uma equipa de nove gestores da rede com formação específica para apoio a microempresas., que ajudavam a concretizar o projecto dos empreendedores e acompanhavam a sua evolução do negócio. As salas de reuniões das sucursais propiciavam acesso gratuito a computadores e à rede Internet, foram criados manuais para apoio aos empreendedores e realizaram-se cursos de formação para estes clientes de microcrédito.
 
Com o Ano Internacional do Microcrédito em 2005 e a atribuição do Prémio Nobel da Paz a Muhammad Yunus e Grameen Bank em 2006,  o final da primeira década alavancou o microcrédito como um direito que todos os países civilizados deveriam garantir como oportunidade para superar o desemprego ou garantir a viabilização da actividade microempresarial.
 
3. PNM – Programa Nacional de Microcrédito
 
O Programa Nacional de Microcrédito (PNM) nasceu em 2010 desta ambição que atravessava o espaço da Comunidade Europeia, mas que correspondeu também a um período crítico em termos financeiros. Por isso, houve necessidade de integrar o Programa Nacional de Microcrédito no Programa de Apoio ao Empreendedorismo e à Criação do Próprio Emprego (PAECPE) criado em 2009 e gerido pelo Instituto de Emprego e Formação Profissional (IEFP).
 
 A legislação referente ao PNM saída em 2011 ( Portaria nº 58/2011 de 28 de Janeiro) e 2012 (Portaria nº 95/2012 de 4 de Abril) promove essa integração e enquadra o que é hoje o Programa Nacional de Microcrédito, com uma rede de técnicos de apoio locais dinâmica e a desempenhar um papel de relevo na promoção do microcrédito em Portugal.
 
Mas, se a Sofia de Yunus foi a referência para o projecto de ANDC, também foi e é a referência estruturante para o Programa Nacional de Microcrédito.
 
Hoje, em Portugal, Sofia seria uma trabalhadora independente responsável por uma microempresa, numa situação análoga às 70,7% das empresas individuais existentes em Portugal e integrando o grupo das microempresas que em 2015 correspondiam a 96,3% do total das empresas existentes em Portugal.
 
4. MICROEMPRESAS
 
Sabemos, pelo Instituto Nacional de Estatística, que em 2015, 96,3 % das empresas eram microempresas, isto é, tinham menos de 10 trabalhadores (1.120.652 empresas em 2015), dos quais 70,7% (790.881 empresas) eram individuais.
 
Perante esta realidade, é estranho e errado ver frequentemente este mundo microempresarial  integrado no mundo das empresas de pequena e média dimensão (empresas com mais de 10 trabalhadores e menos de 250), que de acordo com a mesma fonte, correspondiam a 3,6 % do total das empresas. (Indicadores mais recentes do INE não desagregam as micro sociedades das pequenas e médias sociedades).
 
Os números são avassaladores, sobre a importância e peso da realidade das microempresas, em que a luta pela viabilidade assenta na sua maioria na sobrevivência de unidades familiares e no enraizamento histórico e local nas respectivas comunidades.
 
Em 2012, último ano que conhecemos ter o INE fornecido informação detalhada sobre as microempresas, estas, representando 96% do total das empresas, eram responsáveis por 44% do emprego e participavam com 18,3% no PIB das empresas. As pequenas e médias empresas, representando 3,9% do total das empresas, eram responsáveis por 32,7% do emprego e participavam com 36,3% do PIB das empresas.
 
Se compararmos a produtividade entre as microempresas e as pequenas e médias empresas com base nestes indicadores, concluímos que a produtividade das pequenas e médias empresas é de cerca de 2,7 vezes superior à das microempresas, ou, dito de outra forma, a produtividade de uma microempresa é de aproximadamente 37% de uma pequena ou média empresa.
 
Por si só, este indicador é um alerta do erro de considerar uma microempresa como uma pequena empresa de menor dimensão, esquecendo que a grande maioria das microempresas são empresas individuais, onde não há divisão de tarefas ou instruções escritas, e onde a luta pela sobrevivência nos obriga, também, a recordar de Sofia.
 
5. PNM versus PAECPE
 
A Resolução do Conselho de Ministros nº 16 de  4 de Março de 2010, que criou o Programa Nacional de Microcrédito, determinava o montante global da operação em 15 milhões de euros e o montante limite de 25 mil euros por operação para “…fomentar a criação de emprego e o empreendedorismo entre as populações com maiores dificuldades de acesso ao  mercado de trabalho.
 
A integração do Programa Nacional de Microcrédito no PAECPE criado em 2009, obrigou a diversos ajustamentos, nomeadamente quanto:
- Ao limite das operações de microcrédito e do Microinvest, reduzindo de 25 para 20 mil o montante máximo das operações de microcrédito e aumentando de 15 para 20 mil o limite das operações do Microinvest;
- Ao fomento através do Programa Nacional de Microcrédito do empreendedorismo das populações e, em particular das microempresas, pois a Portaria que criou o PAECPE previa  de uma forma  contraditória com os objectivos do PNM“...medidas de apoio à criação de empresas de pequena dimensão com fins lucrativos,…” e “…apoio à criação do próprio emprego por beneficiários de prestações de desemprego.”
- Ao confronto da simplicidade e singularidade das operações a integrar no Programa Nacional de Microcrédito, envolvendo microempresas e operações até ao máximo de vinte mil euros, e da complexidade de operações ao abrigo de PAECPE que podem atingir os 200 mil euros.
 
- À dificuldade de medir, com rigor, a utilização da linha Microinvest, mesmo perante o bloqueio e desinteresse da Banca na concretização destas operações , mas que a Banca exaltava a utilização total desta linha de crédito, porque apresentava invariavelmente a soma dos valores das operações integradas no Microinvest  e no  Invest+.
 
6. LINHA  DE MICROCREDITO
 
Estão a passar dez anos sobre a criação das linhas Microinvest e Invest+, pelo que deve estar a surgir o momento de seu refrescamento e consolidação, permitindo corrigir  e valorizar os dados da experiência observada.
 
Passados nove anos sobre a Resolução do Conselho de Ministros que criou o Programa Nacional de Microcrédito, e tendo em atenção o papel do microcrédito na Comunidade Europeia e a existência de linhas de crédito específicas a que é possível aceder, a necessidade de fomentar o empreendedorismo e aumentar a produtividade das microempresas, seria uma excelente iniciativa o Governo decidir com a CASES e o IEFP editar uma linha exclusiva para o microcrédito (até 25 mil euros), destinada  à expansão e consolidação das microempresas e à criação do próprio posto de trabalho.
Revista ES n.05 ― ​maio 2019
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